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Resenha: Udon no Kuni no Kiniro Kemari

     A temporada de outubro desse ano contou, como sempre, com uma infinidade de títulos dos mais variados temas, estilos, gêneros e demografias; dentre as séries estreantes nesse período encontra-se o divertido e levinho Udon no Kuni no Kiniro Kemari, que chegou para ocupar o posto de “bálsamo” da temporada. O anime foi adaptado a partir de um mangá de mesmo nome escrito por Nodoka Shinomaru. 

    A história gira em torno de Tawara Souta, um web designer residente de Tóquio que retorna para sua terra natal após a morte de seu pai com o intuito de organizar a casa onde crescera para poder vendê-la. O pai de Souta fora responsável a vida toda por um restaurante de udon (um tipo de macarrão grosso feito com farinha); quando está organizando a parte da casa onde o falecido pai preparava seu o udon, Souta acaba por encontrar uma criança. Após confrontar a criança, Souta descobre que se trata não de uma criança humana, mas de um guaxinim; entretanto, ainda assim ele decide deixar o trabalho para continuar a cuidar do menino, Poco. Assim, os dois começam a viver juntos e, ao cuidar de Poco, Souta começa a reviver as memórias de sua infância e a compreender melhor a relação que tinha com o pai.


   Udon no Kuni é uma narrativa muito gostosa de se acompanhar; a história é levinha, divertida, mas sem deixar de levantar umas questões interessantes referente aos personagens. É muito bonita a forma como Souta se encarrega de Poco, formando uma verdadeira família com o menino, enquanto rememora seus tempos de criança e a relação que tinha com o pai e com a própria família.

   Além da relação de puro amor existente entre Souta e Poco, os demais personagens da série também são super carismáticos e muito divertidos. Desde a irmã mais velha de Souta, Rin, que não tem o menor jeito com crianças; passando por Nakajima, melhor amigo do protagonista, hoje um médico meio mal-humorado; até Mai Manabe, antiga paixão de Souta, agora mãe de um menino e uma menina, que sempre ajuda o protagonista a lidar com toda a situação de criar uma criança.

      Uma das coisas mais legais em Udon no Kuni é, sem dúvidas, a relação de Souta e Poco. Os dois são, verdadeiramente, uma família. Souta se torna um pai absurdamente preocupado com seu filho, Poco, e para ele não importa se este é uma criança ou um guaxinim. Quanto mais o tempo passa, mais apegados eles ficam um ao outro, se entendo cada vez melhor e o expectador vai sendo conquistado cada vez mais por essa família levemente inusitada. 

   O anime contou, ao todo, com doze episódios compostos de muita fofura, humor e, algumas vezes, umas cenas emocionantes. Udon no Kuni é mais um daqueles animes para você assistir e relaxar, sem grandes preocupações ou questionamentos, muito divertido e gostoso de se acompanhar.



Resenha: Bungou Stray Dogs S2

     A primeira temporada de Bungou Stray Dogs foi ao ar em abril de 2016 e se encerrou com um episódio que deixou todos aqueles que haviam gostado do anime ansiosos para a próxima. Em outubro do mesmo ano, eis que a série retorna com um caráter surpreendentemente mais sério e cheia de emoções. 

    Para quem ainda não conhece, Bungou Stray Dogs gira em torno da Agência de Detetives Armados, uma organização composta por membros com poderes especiais que lidam com casos deveras perigosos mesmo para a polícia ou para as forças armadas. Curiosamente, todos os personagens da série possuem nomes de famosos escritores tanto ocidentais quanto orientais.

    Logo no primeiro episódio dessa segunda temporada ocorre uma quebra de expectativa; quem esperava que tudo começasse com o foco na Agência de Detetives Armados se surpreendeu ao ver as cenas que se desenrolavam diante de seus olhos: elas pertenciam ao tempo em que Osamu Dazai ainda era um membro da Porto Mafia. Neste episódio também são apresentados dois novos personagens Sakaguchi Ango e Oda Sakunosoke que serão absurdamente importantes nos primeiros quatro episódios da nova temporada e também reverberarão em alguns episódios posteriores.

    A segunda temporada de Bungou Stray Dogs poderia ser caracterizada pela palavra “surpreendente”; ao final de cada episódio o expectador se vê colado na cadeira ansioso por descobrir o que virá a seguir. Nesta temporada houve uma diminuição nas cenas de humor características, mas sem perder a mão ou deixar o clima do anime mórbido ou chato. A série se apresenta desta vez com um caráter mais sério, sejam pelos relatos dos tempos de Dazai na Porto Mafia, seja pela presença de um novo inimigo comum: A Guilda.

    Diferente da temporada anterior onde a maioria dos confrontos se davam entre membros da Agência de Detetives Armados e da Porto Mafia, na segunda temporada surge um novo inimigo, A Guilda.

        A organização tem, além de outros objetivos, um grande interesse no trigromen e é composta por, atenção aos nomes dos escritores que apareceram nessa temporada: Francis Scott Key Fitzgerald, líder da organização e portador do poder “The Great Gatsby”; Lucy Maud Montgomery, uma órfã maltratada por seus cuidadores que nunca se recuperou de seu trauma, resultando em uma personalidade psicótica. Seu poder é “Anne of Abyssal Red”; Margaret Mitchell, uma mulher arrogante que olha de cima qualquer pessoa, sua habilidade chama-se “Gone with the Wind”; Nathaniel Hawthorne, sócio de Margaret, é um homem de Deus que carrega sua bíblia pra onde quer que vá, seu poder é conhecido como “The Scarlet Letter”; John Steinbeck, parceiro de HP Lovecraft, é um fazendeiro tranquilo e descontraído que vem de uma família de fazendeiros da América do Norte, possuí a habilidade “The Grapes of Wrath”; Howard Phillips Lovecraft, é apresentado como um homem bizarro, que por vezes nem parece humano, embora se distraia facilmente com coisas simples. A habilidade de Lovecraft é conhecida como “The Great Old Ones”; Mark Twain, cuja habilidade denomina-se “Huckleberry Finn & Tom Sawyer”; Louisa May Alcott, a estrategista da guilda utilizadora do poder “Little Woman”; Herman Melville, o membro mais velho da Guilda dono do poder “Mob-Dick; e Edgar Allan Poe, conhecido por sua habilidade “Black Cat in the Rue Morgue”.   

    O design dos personagens — de todos, sem exceção —  é muito bonito e uma das mais coisas mais divertidas de assistir o anime é ficar pensando quem é aquele novo personagem que acaba de aparecer. Isso sem contar às referências que fazem aos autores tanto na denominação das habilidades, quanto no desenvolvimento das personalidades destes.
   
     A segunda temporada do anime não só supriu e alcançou todas as expectativas que a primeira havia instigado, como também deixou todos que acompanharam a série ansiosos para uma próxima. Nessa temporada ocorreu, ainda, uma melhora considerável na animação, o que deixou o lado visual ainda mais agradável. A trilha sonora também não fez feio, nem deixou a desejar.

    Em suma, foi muito prazeroso acompanhar a segunda temporada de Bungou Stray Dogs, com novos personagens, grandes emoções e um tom mais sério que o da anterior, mas sem perder o toque característico da obra. O último episódio deixou, mais uma vez, uma grande expectativa para uma próxima temporada que todos esperamos que venha o mais logo possível.




Resenha: Daytripper

“É apenas quando você aceita que vai morrer que consegue realmente se libertar...
...e aproveitar a vida ao máximo.
Este é o grande segredo.
Este é o milagre.”


    Você já parou para pensar quais são os dias mais importantes da sua vida? Quais são os momentos que você nunca, em hipótese alguma, irá esquecer? Esse é um dos questionamentos levantados em Daytripper, dos gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá. A história em quadrinhos tem como protagonista Brás de Oliva Domingos, milagroso filho de um mundialmente famoso escritor brasileiro. Brás passa os dias escrevendo obituários enquanto sonha se tornar um autor de sucesso — ele escreve o fim da história de outras pessoas enquanto sua própria nem começou. Mas quando sua vida irá começar? E, quando isso acontecer, será que ele irá perceber? Começará ela aos 21 quando ele conhece a garota de seus sonhos? Ou aos 11 quando dá seu primeiro beijo? Quando seu primeiro filho nasce? Quando pode ter encontrado sua voz como escritor?  Cada dia na vida de Brás de Oliva Domingos é como uma página de um livro e cada um deles revela as pessoas e coisas que fazem Brás ser Brás. Como em toda grande história seus dias têm reviravoltas que ele nunca foi capaz de prever... 

    A palavra que melhor descreveria tudo que Daytripper é capaz de representar seria “lindo” ou talvez “lírico”, sem deixar de ser surpreendente. A sinopse da história te dá uma leve ideia do assunto abordado na obra, entretanto, a história completa vai muito mais além. Ver a vida de Brás se desenrolando diante dos seus olhos te faz pensar em sua própria vida e não só nisso, te faz pensar na vida como algo geral, como uma quase entidade. O que você tem feito da vida, afinal? Como você deveria viver a sua vida? O que é, exatamente, viver? São uma enorme gama de questionamentos que parecem não ter solução e talvez não tenham mesmo.

  
  A maneira como a obra se apresenta e te insere nessa atmosfera questionadora é, deveras, cativante. Esteticamente falando é tudo muito bonito. Cada ilustração, desde as menores até as mais grandiosas, soa cheia de significados. As expressões das personagens, as cores, os traços... tudo se junta para criar um clima que te aproxima do protagonista e de seus dilemas, fazendo com o que o leitor se veja e se imagine naquela situação. O que não é tão difícil assim, dado ao fato que a temática “vida” é algo que toca à grande maioria das pessoas.  

   Outro ponto de destaque de Daytripper é a qualidade literária discursiva da obra; não são só as ilustrações, não é só a temática, a linguagem escrita também é muito bem executada. A imagem criada pela língua se conecta com as ilustrações tornando a experiência de leitura mais profunda e agradável.

   Os personagens também geram uma simpatia considerável, desde o protagonista Brás, passando por sua esposa, seu pai e seu inseparável amigo, Jorge. Todos os personagens têm suas marcas características e suas próprias formas de lidar com suas vidas. Esses personagens fazem parte da jornada de Brás, ao mesmo tempo que fazem sua própria jornada. 

   Daytripper é, sem dúvidas, uma história linda e emocionante, com um toque lírico e uma arte de encher os olhos. Os acontecimentos da vida de Brás e a forma como ela é contada convidam o leitor a pensar em sua própria vida e refletir a temática da obra: quais os dias mais importantes da sua vida? Afinal, quando a vida começa?




Resenha: Amaama to Inazuma

      Ah, os bálsamos da temporada!!! Não importa o ano, não importa a estação, não importa o mês em que se inicia, toda temporada vai ter pelo menos um anime balsâmico. Mas o que seria um anime balsâmico? Bom, como a própria palavra já diz, é aquela série que veio para te curar. Sim, exatamente, para te curar de todo estresse, todo o tédio e todos os sentimentos ruins que podem habitar seu coração durante a semana. Esse é o caso de Amaama to Inazuma. 

    Amaama to Inazuma é, originalmente, um mangá seinen de slice of life escrito e ilustrado por Gido Amagakure que conta a história de um pai e sua filha. Inuzuka Kouhei é um professor que ficou viúvo a não muito tempo e que, agora, tem a difícil missão de cuidar de sua filhinha, Tsumugi. Entretanto, Kouhei não é muito bom na cozinha e, por conta disso, ele e Tsumugi acabam se alimentando de comidas compradas em lojas de conveniência. Até que um dia, uma série de eventos acabam por leva-lo até o restaurante da mãe de Iida Kotori, uma de suas alunas. A dona do restaurante não se encontra presente, mas Kotori se esforça ao máximo para servir os dois. Acontece que Kotori tem passado muito tempo sozinha desde que seus pais se divorciaram e sua mãe quase nunca está por perto; o desejo que a garota tem de cozinhar coisas gostosas e se tornar mais competente na cozinha, se soma à vontade de Inuzuka de aprender a cozinhar para sua filha. Os três, então, começam a se encontrar para preparar deliciosas comidas juntos. 

   Olhando o enredo por cima talvez a história não pareça grande coisa, mas Amaama to Inazuma é genuinamente um anime de culinária e fofura. Sim, se você procura por uma série em que os personagens cozinhem sem que durante o preparo das receitas ou a prova delas haja algum close que contenha, claramente, uma conotação sexual, esse anime é para você. Tsumugi, Inuzuka e Kotori cozinham juntos, apenas cozinham, de um jeito normal, fofo e, por vezes, engraçado. Além da culinária o anime também aborda a forma como Tsumugi se relaciona com seu pai e seus colegas do jardim da infância, o que é bem interessante uma vez que acaba por abordar a perspectiva infantil e adulta da situação. 


   E por falar em Tsumugi, a garotinha é uma joia preciosa, absurdamente fofa, a definição de “sorriso que precisa ser protegido”. Ela é uma criança ainda pequena, muito animada e empolgada; as vezes ela faz um pouco de birra, ou fica irritada com alguma coisa, enfim, ela age como uma criança normal. Essa é uma coisa muito boa em Amaama to Inazuma, Tsumugi não é uma criança ficcional cem por cento boazinha, as vezes ela erra como qualquer criança comum; mas no fim das contas tudo sempre dá certo entre ela e seu pai. 

   O professor Inuzuka, por sua vez, é uma pessoa muito esforçada. Ele dá duro no trabalho e em casa, fazendo de tudo para tornar os dias de Tsumugi os melhores possíveis para que ela cresça contente, feliz e saudável. Ele é um paizão, sério. Dá para sentir em cada cena o quanto a Tsumugi é preciosa para ele, a relação dos dois é só amor e Kotori chega só para tornar tudo ainda melhor.

   Iida Kotori é uma estudante do ensino médio cuja mãe é uma famosa dona de restaurante. Ela gosta muito de comer e de cozinhar coisas gostosas e, apesar do seu jeito meio calado, é muito gentil e dedicada. Quanto mais o tempo passa, mais Kotori se envolve com Inuzuka e Tsumugi, os três acabam formando uma espécie de família mesmo, é muito legal. As cenas em que os três cozinham juntos são sempre muito divertidas.

 
 Amaama to Inazuma é, num todo, um anime muito leve. Ele é fofo, divertido, engraçado e, em algumas cenas, emocionante. É muito gostoso acompanhar a série e ver como as relações vão se desenvolvendo, como os personagens lidam com as situações que aparecem e uns com os outros. O visual é muito bonitinho e a trilha sonora combina muito bem com o clima fofo do anime, embora a animação as vezes deixe um pouquinho a desejar. Ainda assim, assistir o anime te deixa tão leve, tão animado e tão feliz que os detalhes técnicos acabam ficando em segundo plano.


   Amaama to Inazuma é aquele anime cuja função é divertir e aquecer seu coração; leve, fofo e divertido, recheado de sorrisos da Tsumugi, um verdadeiro bálsamo!





Resenha: Nejimaki Seirei Senki: Tenkyou no Alderamin

“Todo herói morre de cansaço”

   Toda temporada de animes que se inicia é como uma espécie de primavera, ainda que ela não se passe na dita estação. A cada nova temporada várias séries diferentes estreiam e, acompanhando-as, iniciam-se também uma infinidade de comentários, expectativas, decepções — as vezes acontece — e surpresas! Estas últimas podem ser agradáveis ou não, no caso de Alderamin, agradável é o mínimo para descrevê-lo. A série foi a agradável surpresa da temporada de julho de 2016. 

   Nejimaki Seirei Senki: Tenkyou no Alderamin é originalmente uma série de light novel escrita por Bukuto Uno e ilustrada por Sanbasou (volumes de um a cinco) e Ryuutetsu (volume seis em diante). Além do anime, há também um mangá baseado na série escrito por Taiki Kawakami. O enredo da história é o seguinte: A República de Kioka está em guerra com seu vizinho, o Império Katjvarna. Nessa região, devido a algumas circunstâncias, havia um jovem se preparando a contragosto para o exame de Oficial Militar de Alta Classe. O jovem em questão é Ikta Solork. Ele é um preguiçoso que odeia guerras. Ninguém previu que o gentil Ikta se tornaria um soldado referido até mesmo como um grande comandante. Ele sobreviveu a um mundo envolto em guerra com seu gênio superior. As cortinas se abrem ilustrando sua vida, dinâmica e dramática, e sua esplêndida e fantasiosa história militar.

   Alderamin se passa num cenário de guerra, porém, isso não chega a ser algo assim tão diferente. A história não é a primeira, nem será a última a estar imersa num universo dessa espécie. Entretanto, Alderamin é instigante. Conforme a narrativa vai se desenvolvendo, existem passagens que podem servir de ganchos para várias discussões e reflexões. Os diálogos, os fatos e os personagens levantam questões interessantes como a relação entre religião e Estado, qual o papel da religião na vida de um povo, a honra de um soldado, até que ponto um soldado deve seguir as ordens de seus superiores, a relação entre religião e ciência, como a ciência pode ser libertadora... Entre outras coisas mais. Alderamin tem uma narrativa instigante, com uma carga de densidade considerável, sem deixar de ser divertido à sua maneira. O anime é capaz de te deixar ansioso para o próximo episódio e, durante a duração deste você não sente o tempo passar. É interessante, agradável, instigante. 

   Além da narrativa bem construída, talvez um dos animes adaptados de novel possuidor de uma das narrativas mais bem construídas até o ponto em que foi adaptado, os personagens de Alderamin também são muito interessantes. A começar pelo protagonista, Ikta. Apesar de ser preguiçoso e, até mesmo, um pouco mulherengo, ele é grande estrategista. Ikta também costuma ser fiel à suas concepções e tem um lado muito gentil. É um protagonista carismático, por vezes até mesmo engraçado, que faz com que o espectador simpatize com ele. A forma como ele vence os inimigos através de suas estratégias também é algo fascinante.

   Ikta tem como melhor amiga Yatorishino Igsem. Yatori é a protagonista feminina da série, ela faz parte de um clã que integra o exército há muitos anos, famoso por lutar utilizando duas espadas. A garota possuí longos cabelos vermelhos e é extremamente fiel ao seu dever como soldado. Muitas vezes, Yatori vê a si mesma apenas como uma arma pronta a servir o exército, porém Ikta está sempre a postos para lembra-la que ela é um ser humano. A relação de Yatori e Ikta é outro ponto positivo de Alderamin. Os dois são grandes amigos desde muito tempo, legítimos companheiros, a dupla perfeita. O que existe entre os dois é uma parceria total, é muito bonita a maneira como eles se tratam, se ajudam e se preocupam um com o outro. Yatori é uma mulher forte e gentil, sempre pronta para dar uns puxões de orelha em Ikta quando preciso; Ikta, por sua vez, está ao lado de Yatori para o que der e vier dentro e fora do exército. Juntos eles são quase imbatíveis.

   Outra personagem importante de Alderamin é a princesa, Chamille Kitra Katvarnmaninik. Inicialmente ela tem treze anos e aparenta ser muito frágil. De fato, por ser uma princesa, ela nunca é colocada na frente de batalha. Chamille tem uma áurea um pouco mimada e levemente antipática em alguns momentos, entretanto, ela está longe de ser uma completa ingênua. Ela conhece Ikta e Yatori num navio a caminho do exame para Oficial Militar; no mesmo navio se encontram também Torvay Remion, Matthew Tetdrich e Haroma Becker.

   Torvay Remion é membro de uma família conhecida por manejar rifles de ar. Por conta disso ele é muito bom com armas, embora não tenha muita confiança em si mesmo. Torvay é muito gentil e cumpre seu dever com muito afinco; aos poucos ele vai se tornando mais confiante e amadurecendo cada vez mais. 

   Matthew Tetdrich, por sua vez, faz parte de uma família menos conhecida do que Yatori e Torvay. Matthew tem muita vontade de provar seu valor e é muito barulhento. Ainda assim, ele é muito corajoso e sabe que é capaz de fazer as coisas. Já Haroma Becker tem habilidades no campo da medicina; é uma garota muito bonita e doce, e uma médica responsável.

   Ikta, Yatori, Chamille, Torvay, Matthew e Haroma formam um grupo muito interessante. Algumas circunstâncias, logo no início da história, fazem com que eles tenham de trabalhar juntos. Por conta disso, eles acabam se tornando companheiros e essa relação progride conforme a narrativa caminha. Eles confiam em sua capacidade e na capacidade uns dos outros, formando uma boa equipe em várias situações.

   Em relação a parte mais “técnica” de Alderamin não existem muitas coisas para se criticar. A animação é boa e linear; já a trilha sonora casa perfeitamente com o clima da animação. A abertura é agitada o suficiente para deixar o espectador preparado para o episódio que virá a seguir e as músicas de fundo durante as batalhas dão um toque e um clima especiais para a cena toda.

   Nejimaki Seirei Senki: Tenkyou no Alderamin foi a agradável surpresa da temporada passada. Com uma narrativa instigante sem deixar de ser divertida, personagens cativantes e cenas regadas com uma boa trilha sonora, o anime conquista, lentamente, o espectador. Alderamin conta a história do caminho militar de Ikta Solork em meio à guerra entre a República de Kioka e o Império de Katjvarna. Quais serão os desafios desse caminho e como essa guerra acabará?

“Para alguém que odeia soldados, a família imperial e heróis, é um papel perfeito para você. Por isso não hesite, Ikta Solork”.

Resenha: Re: Zero Kara Hajimeru Isekai Seikatsu


    Vez por outra, no maravilhoso (ou nem tanto) mundo do entretenimento, aparece alguma obra que causa uma grande comoção. Uma daquelas que dá, literalmente, muito o que falar. Esta obra pode ser um filme, um livro, uma música, uma banda ou um anime, por que não? De tempos em tempos aparece aquele anime que todo mundo comenta, que a grande maioria assiste e cujos comentários sobre são, em sua maioria, positivos. O famigerado anime que une todas as tribos. Esse é o caso de Re: Zero Kara Hajimeru Isekai Seikatsu. 

    Estreante da temporada de abril desse ano, Re Zero foi muito assistido e, obviamente, muito comentado. A história é originalmente uma série de light novel escrita por Tappei Nagatsuki e ilustrada por Shinichirou Otsuka; a série conta, atualmente, com oito volumes publicados. O enredo gira em torno de Natsuki Subaru, um jovem que é subitamente invocado para um mundo desconhecido. Sem ter a menor noção do que fazer ou para onde ir nesse misterioso local, Subaru acaba por conhecer uma jovem meio-elfa de cabelos prateados. Não muito tempo depois os dois são assassinados; então, Subaru acorda e descobre quem tem a habilidade de “retornar pela morte”. Sempre que morre o garoto acorda em um ponto anterior ao dos acontecimentos que lhe levaram ao trágico final, ele retém todas as suas lembranças até o momento que morreu, porém somente ele sabe das coisas que aconteceram e que ainda estão por vir. Após voltar no tempo pela primeira vez, Subaru decide que fará de tudo para salvar a garota de cabelos prateados.

    Num primeiro olhar Re: Zero não tem nada de mais; é um enredo que não foge muito de uma grande gama de coisas que encontramos por aí. Entretanto, desde já adianto que Re: Zero tem alguns toques especiais. Primeiramente, preciso deixar claro que é bem difícil para mim falar desse anime. Eu assisti os vinte e cinco episódios; durante e depois de assistir tudo refleti muito sobre minha opinião com relação à obra em si. Creio que, mesmo agora, ela ainda esteja se firmando. Cada vez que relembro toda a trajetória do anime e as sensações que ele me causou compreendo melhor o que penso sobre a obra.

Para começar, vou tentar fazer um balanço das minhas impressões sobre o enredo do anime. Um apanhado geral para depois discutir alguns outros pontos. Comecemos pelo começo, então. Quando fiz minha lista de animes da temporada de abril Re: Zero não estava entre eles. A sinopse não me chamou a atenção, eu já estava com muitos animes na lista, apenas passei por cima. Então, o anime estreou. Vi várias pessoas comentando sobre o primeiro episódio, em especial sobre a atitude do protagonista. Acabei ficando curiosa e fui conferir. A minha impressão do primeiro episódio foi: legal. Foi um episódio com uma boa animação, introduzindo a história da narrativa e um final com um gancho capaz de deixar o telespectador curioso. Quanto ao Subaru, também não tinha nenhuma opinião grandiosa. Ele parecia meio idiota, só. Em suma, era legal, mas nada espetacular.  Na semana seguinte assisti o segundo episódio, que não me empolgou nem metade do que o primeiro. Pensei “é, vai ficar só nessa dele morrendo e voltando para tentar salvar a garota mesmo...”; então, veio o terceiro episódio. Esse me empolgou. Teve ação, enfim uma batalha verdadeiramente boa, e a bela garota de cabelos prateados ganhou mais destaque deixando a posição passiva na qual, até então, estava sendo deixada. Fiquei feliz ao perceber que a história seria menos repetitiva do que eu havia pensado, eu estava enganada, ainda bem. Então, veio o episódio quatro e cinco e vi Subaru ficar preso num arco de repetição péssimo para ele. Entretanto, do quarto ao sexto episódio, a história não havia me tocado. Era tecnicamente bem executado, eu entendia o sofrimento do Subaru, mas faltava alguma coisa; talvez pelo fato de minha relação com Subaru ficar entre a indiferença e a antipatia. A chegada do episódio sete serviu para dar uma sacudida nas coisas; o final do sétimo episódio foi bom o suficiente para me deixar consideravelmente curiosa para o próximo. Os episódios seguintes também me agradaram, embora não alcançassem o mesmo impacto que o sétimo. Ainda assim, foram episódios nos quais não percebi o tempo passando. No episódio doze o anime entrou em uma nova fase e, é logo depois disso, que a história entra num patamar cujo adjetivo bom se torna, definitivamente, justo. Os episódios referentes à seleção real na capital não foram os meus favoritos, entretanto foi a partir deles que minha antipatia pelo protagonista aumentou. Mais do que isso, minha indiferença desapareceu e eu comecei a sentir raiva, de fato, do Subaru. Ele me irritava o tempo todo. Porém, é a partir do episódio quinze que as coisas dão uma guinada de vez, culminando no episódio dezoito que é genuinamente bom. Este episódio, o episódio de número dezoito, é inegavelmente bom. A trilha sonora, os diálogos, a emoção que é passada, a tensão.... Tudo é feito para tocar o expectador e consegue. Os episódios seguintes, apesar de não tão avassaladores, também são satisfatórias. Terminando sempre de uma forma que te deixa curioso para assistir o próximo. Nesse recurso, destaque para o episódio vinte e quatro que tem um plot twist que pode ser esperado, mas que causa um impacto quando acontece. Em resumo, a trajetória da narrativa de Re: Zero é evolutiva. Ainda que a história não seja a melhor do mundo, ela é evolutiva e tem recursos capazes de prender a atenção.

     Pensando na narrativa enquanto enredo, como já disse, não é nada espetacular. Inclusive, tem algumas falhas visíveis, e não estou me referindo a coisas que ainda podem ser corrigidas nos volumes posteriores da série. Como exemplo é possível citar a personagem Felt. Ela aparece nos primeiros episódios, desaparece, retorna no episódio da seleção real e, mais uma vez, some sem deixar vestígios. Ainda no plano do sumiço temos o desaparecimento da personagem Rem, já nos últimos episódios, sem nenhuma explicação de para onde ela foi.

     Um outro aspecto que sempre me incomodou em Re: Zero é o fato do Subaru amar a Emilia, a garota de cabelos prateados, sem nenhum motivo aparente. Não adianta tentar justificar, no fim das contas a ideia passada é que ele a ama porque ela é bonita, nada além disso. A posição passiva em que Emilia é colocada também acaba me desagradando um pouco. A garota tem potencial, ela é capaz de cuidar de si mesma, mas acaba ficando sempre apagada, tendo grandes cenas em pouquíssimos momentos.

Pensando o enredo num todo, de uma certa forma, ele é uma grande salada. Tem elfos, tem empregadas, maldições, bruxa misteriosa, culto religioso... Tem de tudo para todos os gostos. Porém, talvez eles se conversem e se equilibrem de alguma forma.

Entretanto, se o enredo de Re: Zero não é um dos mais bem trabalhados do mundo, os personagens são um aspecto mais bem feito. Assim como a trajetória da história, os personagens de Re: Zero também são evolutivos. Eles se desenvolvem. Não todos, claro, mas alguns e isso já é algo bom o bastante. Pensemos, por exemplo, a Rem. A garota aparece logo na primeira metade da narrativa juntamente com sua irmã, Ram. Aos olhos de todos Rem não passava de uma personagem secundária, mas ela cresce de uma forma maravilhosa. A garota se torna mais densa, mais importante e conquista o público de uma forma incrível.

     Outro personagem que também se desenvolve é o próprio protagonista. Ele me fez passar do desinteresse para a implicância, então a raiva, e mesmo assim me fez torcer por ele. Particularmente, ainda não gosto muito do Subaru, mas ele é capaz de causar reações. As pessoas gostam ou desgostam dele, isso é bom. Causar reações e sensações no público significa que o personagem é mais complexo, é sinal de que ele é capaz de fazer o expectador pensar sobre ele e seu papel na narrativa. É uma das coisas que caracteriza um bom personagem.

   Em Re: Zero, nem todos os personagens são desenvolvidos, mas quando ocorre o desenvolvimento ele é bem feito. Esse é, para mim, um dos melhores pontos da narrativa. Foi isso que fez com que eu não abandonasse a história, mesmo quando não estava totalmente convencida por ela. 

    Outra coisa que eu gosto em Re: Zero é a grande quantidade de boas personagens femininas que a história possuí. Rem, a empregada da mansão que acaba por roubar a cena completamente; Emilia, a meio-elfa que apesar de parecer estar sempre meio apagadinha tem momentos que acentuam uma personalidade; Beatrice, a responsável pela biblioteca da mansão, com um humor nem sempre muito bom; Crusch, uma das candidatas à seleção real, com um semblante e atitudes duronas, mas uma pessoa fantástica... E por aí vai. São personagens femininas boas, elas não são apenas objeto decorativo. Pensando na imagem inicial que Re: Zero me passou, isso me soou, no mínimo, surpreendente.


     De uma forma geral, Re: Zero ganha o status que têm por conta, justamente, desse fato: a surpresa. Num primeiro olhar, não é comum se esperar muita coisa de Re: Zero. A obra é evolutiva. Evolutiva enquanto narrativa, evolutiva enquanto desenvolvimento de personagem, evolutiva com relação aos finais dos episódios... Depois do quinze, o fechamento do episódio sempre acaba te deixando ansioso para o próximo. Isso é ótimo para uma série que ainda está em lançamento. Dessa forma o anime ganha o público, as pessoas querem saber o que vai acontecer. Esse é um mérito que não se pode tirar de Re: Zero.

Tecnicamente, o anime também é bem executado. A animação é boa e linear; dá uma caidinha nos episódios mais para o final, mas só para deixar para fazer as coisas bem-feitas no último episódio. A trilha sonora também é legal e combina muito com as cenas. Esse é outro ponto positivo da obra, pensando nela como série de anime.

    Num todo, Re: Zero foi um bom anime. Não tem o enredo mais impecável do mundo, mas tem coisas positivas o suficiente para fazer ganhar a atenção e agradar ao público. De zero a dez, Re: Zero mereceria, a meu ver, uma nota entre sete e oito, dependendo do que você vai presar mais na hora de dar o veredito. Se eu recomendaria Re: Zero para as pessoas? Com certeza, a história tem elementos para todos os gostos, o que torna possível que agrade uma grande quantidade de pessoas.

    Em suma, foi divertido acompanhar Re: Zero. O anime me surpreendeu bastante, eu não esperava nada mesmo, e foi uma boa experiência aguardar os episódios, curiosa. Afinal, Re: Zero é isso mesmo: uma salada de várias coisas; um genuíno anime capaz de unir todas, ou ao menos várias, tribos.

A temática do duplo em William Wilson e Clube da Luta: a consciência e a dupla personalidade


 A temática do duplo é algo que remonta aos tempos da antiguidade e que vem se desenvolvendo e modificando através dos séculos; ao longo desse tempo essa questão vem sendo abordada em diferentes áreas, tais como as artes plásticas, o cinema e a literatura. Nesta última, há uma infinidade de títulos onde o duplo se faz presente, seja como tema central, seja como um aspecto da trama, sempre em suas mais variadas formas de representação. Adilson dos Santos (2009) afirma que fazer uma síntese do tema do duplo não é uma tarefa fácil de se realizar, uma vez que este pode ser observado sob várias perspectivas, dependendo do contexto, de que e de onde se fala. As incontáveis transformações que sofreu aumentam ainda mais tal dificuldade. Pode-se apenas dizer, com segurança, que as histórias de duplo apresentam uma face invariável de impasse, propiciadora de um sentimento de insegurança e mistério, nem sempre decifrável ou de compreensão plena, mas, nem por isso, menos estimulante.

Há relatos de antigas lendas nórdicas e germânicas onde já se figurava a presença do duplo. Para eles o aparecimento do duplo era considerado um acontecimento funesto, um mau agouro, que pressagiaria a morte. O caminho percorrido pela temática do duplo na história da literatura mundial poderia ser divido em duas partes: na primeira parte, da antiguidade até o século XVI, o duplo aparece como figuração do homogêneo, simbolizando o idêntico e sendo retratado através do conceito de gêmeos ou sósias; na segunda parte o duplo é a expressão da heterogeneidade.

A partir do final do século XVI a ideia de duplo como conceito homogêneo começa a ser abandonada, embora não seja totalmente extinguida. Com o nascimento da ideia de “subjetividade” no século XVII, ocorre uma profunda mudança na representação do duplo. Com a chegada do século XIX o duplo começa a representar a divisão do eu e a partir daí, cada vez mais se é problematizada a heterogeneidade, em lugar da homogeneidade.

Este duplo heterogêneo configura-se através da ideia de existência e/ ou criação de um outro, que pode apresentar-se “como um ser complementar e/ou auxiliar; na condição de um substituto perfeito; na qualidade de protetor ou de ameaçador e perseguidor; como agente responsável por trazer à tona uma outra faceta até então desconhecida; [..] enquanto opositor e/ou inimigo e etc.” (SANTOS, 2009, pg.71)

É possível dividir esse “outro”, ainda, em dois tipos diferentes de duplo: o duplo exterior, que se configura como uma entidade cuja a origem é extrínseca ao “eu”. A existência desse duplo “dá-se quando há o confronto entre indivíduos cuja diversidade revela-se inevitável: de um lado, tem-se o ‘eu’, do outro, aquele que é por ele percebido como diferente, isto é, o ‘outro. ’” (SANTOS, 2009, pg. 74); o segundo tipo de duplo, é o duplo interior, cuja gênese fundamenta-se no eu. No duplo interior, o ‘outro’ não é uma entidade que se formou externamente, mas sua origem dá-se no interior do sujeito.

Nesta modalidade, o duplo surge como representação de uma cisão interna, de um conflito psíquico. O indivíduo libera partes aprisionadas de si mesmo, projeta seus demônios interiores (ansiedades, perturbações, medos, angústias e etc.) e, extraordinariamente, materializa-os na forma de um segundo ‘eu’. Este, refletindo o seu interior e assumindo-se-lhe exterior — como se fosse uma sombra, um reflexo —, conquista uma autonomia sem precedentes, adquire existência própria, levando o sujeito no qual fundamentou sua gênese a intimidar-se com sua presença e, até mesmo, a encará-lo como antagonista. Sua existência pode inclusive conduzi-lo à morte ou à loucura. (SANTOS, 2009, pg.  75).

Dentre as obras literárias que abordam a temática do duplo interior encontram-se o conto William Wilson de Edgar Allan Poe e o livro Clube da Luta de Chuck Palahniuk. Ambas foram escritas e publicadas em épocas completamente diferentes: William Wilson é um conto do século XIX, enquanto Clube da Luta é um romance contemporâneo; entretanto, o elemento do duplo presente em ambas as aproxima seja por semelhanças ou por diferenças.

O conto de Edgar Allan Poe apresenta um protagonista que não revela seu nome; este, apresenta-se como William Wilson, pois, segundo ele mesmo, a página em branco diante de si não deveria ser manchada com seu verdadeiro nome. Na primeira parte do conto o narrador descreve tanto sua natureza quanto a natureza de sua família e conta como ele conheceu aquele que durante todo o restante da história viria a ser o “outro”, o “duplo”. Durante seus tempos de escola, Wilson-narrador vem a conhecer um garoto que, embora não possuísse nenhum parentesco com ele, possuía seu nome e seu sobrenome; eram, ainda, os dois muito parecidos, motivo pelo qual as demais pessoas muitas vezes os tomavam como irmãos.

No romance Clube da Luta, o protagonista não possuí nome nenhum, nem mesmo um nome inventado, tal qual William Wilson. O livro é narrado todo em primeira pessoa, através da perspectiva do protagonista, um homem que vive “engolido por uma rotina sem muito sentido, a não ser o de perpetuar o modo de vida capitalista orientado pelo consumo. ” (BENEVIDES, 2007, pg.12). Atormentado por uma incurável insônia, o narrador de Clube da Luta começa a frequentar grupos-de-apoio para pacientes que sofrem de diversas doenças com a intenção de encontrar algum conforto e se sentir mais vivo. Porém, ele só começa a encontrar conforto de verdade ao conhecer Tyler Durden. “Seu nome era Tyler Durden e ele era projecionista do sindicato, garçom de um hotel no centro e ele me deu seu número de telefone. E foi assim que nos conhecemos”.

Pouco tempo depois de conhecer Tyler, ocorre um incêndio na casa do protagonista, levando-o a morar com seu novo amigo. Tyler e o narrador se tornam inseparáveis e juntos eles fundam o Clube da Luta, um lugar onde os participantes se enfrentam em combates corpo-a-corpo com a única intenção de competir, extravasar suas angústias e curar suas mágoas.

A relação do narrador de Clube da Luta para com Tyler é de uma intensa amizade; aos olhos do protagonista, Durden é um ser humano cativante, impressionante, fascinante, digno de admiração. O protagonista quer ser como Tyler.

Já a relação entre Wilson-narrador e William Wilson é um pouco mais complexa; inicialmente nem mesmo o próprio narrador é capaz de defini-la com segurança, para ele, os sentimentos que ele nutria por William Wilson “formavam uma amálgama extravagante e heterogênea — uma animosidade petulante que não era ainda ódio, estima, ainda mais respeito, uma boa parte de temor e uma imensa e inquieta curiosidade. ” Ainda assim, esses sentimentos conflitantes acabam dando lugar a algo desagradável. Todos os colegas de escola do narrador lhe admiram e são submissos; todos, exceto William Wilson, o que faz com que a animosidade que o protagonista nutre com relação a este só aumente. Uma noite, Wilson-narrador visita o quarto de William Wilson e ao perceber que os dois são ainda mais idênticos do que havia notado até então, abandona a escola. Entretanto, seu homônimo não o vai abandonar para sempre e William Wilson reaparece mais duas vezes em seu caminho. Após o segundo reaparecimento, Wilson-narrador vê-se perseguido continuamente por seu igual em nome e aparência; não há lugar que vá onde não encontre William Wilson, sempre pronto a atormentá-lo e estragar seus planos.

Wilson-narrador descreve William Wilson como uma sombra, alguém cuja voz não é nada além de um sussurro. No começo do conto, o narrador diz que seu homônimo tem um problema nas cordas vocais, de modo que sua voz é sempre baixa e sussurrante. Apesar de idênticos em nome e aparência, Wilson-narrador e William Wilson são diferentes em natureza. O primeiro é de comportamento perverso e torpe, o segundo o completo oposto disso. Sempre que o protagonista age de acordo com seu mau-caráter, William Wilson aparece e o delata.

Até que um dia, em uma festa à fantasia, enquanto procura pela esposa do anfitrião, Wilson-narrador encontra-se mais uma vez com William Wilson. Cansado de ser atormentado pela presença de seu igual, o protagonista o leva até uma sala privada e lá o golpeia com a espada que portava. Após atingir William Wilson com um golpe mortal, o narrador vê algo que o espanta:

Um vasto espelho — em minha perturbação pareceu-me assim, a princípio — erguia-se no ponto onde antes nada vira; e, enquanto me dirigia tomado de horror, para esse espelho, minha própria imagem, mas com o rosto pálido e manchado de sangue, adiantou-se ao meu encontro, com um passo fraco e vacilante.

É nesse instante que ocorre a compreensão de que o homônimo do protagonista é um duplo interior. E é nesse momento que William Wilson fala, pela primeira vez, com uma voz alta e com a boca do próprio narrador. “—Venceste e eu me rendo. Mas, de agora em diante, também estás morto... morto para o Mundo, para o Céu e para a Esperança! Em mim tu existias... e vê em minha morte, vê por esta imagem, que é a tua, como assassinaste absolutamente a ti mesmo. ”

Em Clube da Luta, o caminho para a compreensão do fenômeno do duplo começa a dar-se a partir da criação do Projeto Desordem e Destruição. Tyler, portador de uma filosofia de vida peculiar e de uma altíssima capacidade de persuasão, triplica o número de locais onde acontece o Clube da Luta e começa a recrutar os participantes para sua nova empreitada, o Projeto Desordem e Destruição. Aos poucos o protagonista e Tyler vão se tornando mais distantes; o narrador do livro começa a pensar que seu amigo talvez esteja indo longe demais em seus ideais. Tyler começa a nunca parar em casa e a residência que divide com o protagonista fica cada vez mais infestada de membros do Projeto Desordem e Destruição. O narrador da história resolve, então, procurar seu amigo e começa a viajar por todo os EUA. Lentamente, ele começa a perceber que em todos os lugares que visita os conhecidos de Tyler o chamam de “senhor” e agem de modo muito estranho, sem nunca darem nenhuma informação. Até que um estranho em um bar lhe diz que ele visitou esse mesmo local na semana passada, chamando-o de “senhor Durden”. O protagonista nega categoricamente ser Tyler Durden, mas ao ligar para Marla, uma garota que conheceu nos grupos-de-apoio e com quem mantém uma relação complicada, recebe a tão temida resposta “— Tyler Durden — Marla responde. — Seu nome é Tyler Limpa Bundas Cabeçudo Durden. Você mora na paper Street, 5.123 NE, local que agora está repleto dos seus pequenos discípulos raspando a própria cabeça e queimando a pele com soa cáustica. ”

Tanto o conto de Poe quanto o romance de Palahniuk tratam do duplo interior, aquele cuja gênese fundamenta-se no “eu”. Nas duas narrativas, desde o início existem indícios de que o “outro” nasce a partir do próprio protagonista. Em William Wilson, desde o início o narrador diz advir de uma família de temperamento imaginativo e facilmente impressionável; e durante toda a narrativa William Wilson aparece com vestes idênticas às do narrador. Já em Clube da Luta, os indícios são ainda mais sutis. Há uma frase que percorre todo o livro; diversas vezes, o narrador diz que “eu sei disso porque Tyler sabe disso”. E em cenas onde o narrador age, geralmente, de forma excessivamente agressiva, as ações são justificadas com “É isto que Tyler quer que eu faça. Estas são as palavras de Tyler saindo da minha boca. Sou a boca de Tyler. Sou as mãos de Tyler”.

Entretanto, apesar de nas duas obras explorarem essa temática, existem algumas diferenças nas relações travas entre o “eu” e o “outro”. No conto de Poe, William Wilson é uma sombra na vida do narrador, nada além de um sussurro. Ele está em cada lugar que o protagonista vá, é impossível fugir dele e isso atormenta imensamente o Wilson-narrador. William Wilson “é a causa de seu desespero, existe apenas para impedi-lo de agir guiado por seu mau-caráter, restabelecendo o equilíbrio de suas relações com as outras pessoas. Se Wilson é dotado da mesma capacidade, ele opera efeito contrário, anulando os atos desse protagonista sem nome” (BENEVIDES, 2007, pg.2). William Wilson serve para anular os efeitos da personalidade torpe e viciosa do protagonista e é isso que os torna tão opostos. “[…]Poe desenha um personagem a partir da contraposição entre ele e seu contrário, evidenciada pela estratégia narrativa que lança luz sobre um paradoxo – são iguais física e intelectualmente mas diferem em termos éticos e morais. ” (BENEVIDES, 2007, pg.5). Em outras palavras, o “outro” no conto de Poe não é muito mais a expressão de uma consciência do que de uma dupla personalidade. Apesar de, ao dizer pertencer a uma família imaginativa e impressionável, o protagonista assumir-se como propenso a distúrbios de dupla personalidade, a forte relação moral existente entre ele e seu duplo não pode ser ignorada. William Wilson pode vir a ser tanto uma dupla personalidade do narrador, quanto a representação de sua consciência.  

Em Clube da Luta essa relação é um pouco diferente. Se o Wilson-narrador se difere moralmente de seu duplo e o detesta e renega por conta disso, o protagonista de Clube da Luta, por grande parte da narrativa, deseja ser Tyler. Desde o início, o narrador do livro demonstra uma vontade de fugir de sua vida “Se eu podia acordar em um lugar diferente em uma hora diferente, será que eu podia acordar como uma pessoa diferente? ”. Então, em um determinado momento, esse seu desejo de ser outra cria uma nova personalidade. Tyler surge do desejo do protagonista de ser outra pessoa, Tyler é tudo o que o protagonista queria ser; e a “insônia” sofrida pelo protagonista é o gatilho e o meio utilizado para isso.  “— Toda vez que você dorme — Tyler diz —, eu escapo e faço algo louco, bizarro, algo completamente fora de mim”.  No romance de Palahniuk o “eu” e seu “duplo” utilizam o mesmo corpo em horários diferentes. Durante a maior parte da narrativa Tyler é apresentado como um indivíduo diferente e o número de vezes que se pensa nele como produto da imaginação do protagonista é diminuto se comparado à William Wilson. No decorrer do conto de Poe, quando o duplo ainda é apresentado como uma outra pessoa, há muitos momentos em que a narrativa não parece lúcida o bastante e, portanto, ocorre a dúvida se William Wilson existe mesmo ou se o narrador está louco. Já em Clube da Luta, até que o protagonista descubra que o líder do Projeto Desordem e Destruição é ele mesmo, Tyler é tratado o tempo todo como outro indivíduo.

A partir do momento que o protagonista descobre que ele e Tyler dividem o mesmo corpo, têm-se a confirmação total de que o último é uma outra personalidade que está tentando tomar o controle. “Tyler é a outra personalidade que criei e agora ele está ameaçando tomar minha vida real”. Nas páginas finais de Clube da Luta temos o narrador tentando pôr um fim em sua outra personalidade. O embate que há entre eles não é um embate promovido por ódio e recusa, como o em William Wilson, mas um embate para decidir qual personalidade tomará o controle total do corpo.

Tanto William Wilson, quanto Clube da Luta, valem-se da temática do duplo interior, cada uma desenvolvendo a questão ao seu modo. No conto nós temos um personagem que demonstra uma lucidez duvidosa, um duplo que causa um verdadeiro tormento e se apresenta como uma espécie de consciência do narrador e protagonista. No romance temos um narrador que soa muito mais lúcido que, cansado de sua vida e sua rotina, acaba por desejar ser uma outra pessoa, desenvolvendo assim uma segunda personalidade que se descontrola até tentar tomar o controle total de seu duplo. No conto de Poe, o duplo apresenta-se, então, como uma espécie de consciência moral do protagonista. Já no romance de Palahniuk, o duplo é a expressão de uma segunda personalidade, nascida do desejo de ser outra pessoa, do narrador.


Referências Bibliográficas
BENEVIDES, Ricardo. O outro ou o mesmo? A representação do duplo em William Wilson. Revista COMUM, v.12, nº 28, p. 1-16,  janeiro/junho. 2007.

PALAHNIUK, Chuck. Clube da Luta. São Paulo: Leya, 2012. 210 p.

POE, Edgar Allan. William Wilson.
  Acesso em 25/07/2016.

SANTOS, Adilson dos. Um périplo pelo território do duplo. Revista Investigações, Londrina, vol.22, nº 1, p. 51-101, janeiro. 2009.

Resenha: Flying Witch

Ah, os bálsamos da vida... Vez por outra nos encontramos com histórias que são verdadeiros remédios contra o estresse. Com uma história simples e personagens carismáticos, essas histórias possuem um efeito relaxante e podem não ser as melhores e mais complexas do mundo, mas são, com certeza, algumas das mais divertidas.  A temporada de abril teve, pelo menos, dois animes que se encaixam perfeitamente nessa descrição. Um deles foi Tanaka-kun wa Itsumo Kedaruge, e outro foi, sem dúvidas, Flying Witch. 

Flying Witch é originalmente um mangá de autoria de Chihiro Ishizuka. O enredo gira em torno de Makoto, uma jovem bruxa que vai para a cidade de Aomori morar com seus tios como parte de seu treinamento. A história retrata a vida da garota na cidade, suas relações com seus familiares, os amigos que faz na cidade e as peculiaridades de sua magia.


O enredo de Flying Witch é, obviamente, dos mais simples, porém é absurdamente divertido acompanhar as aventuras de Makoto. Apesar da premissa parecer muito boba, cada episódio é mais engraçado do que o outro e quanto mais você se acostuma com os personagens e o ambiente, mais você se diverte.

Tudo começa com a própria Makoto, uma menina meio lerda, sem o menor senso de direção e, por conta disso, muito engraçada. Ela e sua gata, Chito, causam uma certa estranhesa divertida logo na primeira cena; o primeiro episódio do anime já faz menção à falta de senso de direção de Makoto.

Os feitiços, magias e tudo que diz respeito ao universo bruxo no qual a protagonista está inserida são sempre muito simples e divertidos. Nada é muito requentado ou sério, mantendo um clima uniforme com toda a configuração restante do enredo. Todo esse universo mágico, engraçado e divertido conquista rapidamente a pequena Chinatsu, a prima de Makoto, que fica cada vez mais empolgada e encantada com o fato de conhecer uma bruxa e poder ter contato com tudo isso. Já o irmão mais velho de Chinatsu, Kei, parece um pouco menos fascinado por toda essa questão.


Outra personagem profundamente envolvida com toda essa parte mais “mística” é Akane, a preguiçosa irmã de Makoto. Ela é uma bruxa que já terminou seu treinamento e agora viaja pelo mundo. É dona de uma personalidade altamente relaxada e despreocupada, gostando muito de dormir e beber, além de ser muito engraçada. Há ainda Nao, uma amiga de Kei e Makoto, que sempre soa um pouco reticente quando o assunto são as peculiaridades da protagonista..

Flying Witch é um anime muito divertido e bonitinho. Com uma música de abertura que cola na sua cabeça igual chiclete, uma boa animação e momentos muito fofinhos. É diversão na certa. A história é simples e despretensiosa, e é exatamente isso que a torna tão cativante. Flying Witch é perfeito para você sentar, relaxar e não pensar em nada além de se divertir pelos próximos vinte e quatro minutos.