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O que você está fazendo no fim do mundo? Está ocupado? Poderia nos salvar? - Sukasuka (resenha)

“Prometemos ficar juntos para sempre.
E esse voto me trouxe felicidade.
Eu percebi o quanto o amava
E essa realização me trouxe felicidade.
Ele me disse que me faria feliz.
E aquelas palavras me trouxeram felicidade.
Ele trouxe uma quantidade incrível de felicidade
e alegria para minha vida.
É por isso que posso dizer com toda certeza,
e ninguém pode me convencer do contrário,
que eu sou a garota mais feliz do mundo agora. ”

      A ficção possuí centenas de histórias de amor. A ficção também possuí dezenas de histórias de guerra. Não são raras, ainda, as narrativas de um futuro pós-apocalíptico onde nem a Terra, nem os humanos são mais os mesmos. Entretanto, talvez, seja um pouco menos corriqueiro o surgimento de histórias que consigam unir todos esses elementos. 

    Shûmatsu Nani Shitemasuka? Isogashii desu ka? Sukutte Moratte Ii desu ka? (O que você está fazendo no fim do mundo? Você está ocupado? Poderia nos salvar?, em tradução livre para o português), mais comumente conhecido como Sukasuka é uma narrativa que combina todos os ingredientes citados acima. A obra, uma série de light novel roteirizada por Akira Kareno e ilustrada por Ue, foi adaptada para anime durante a temporada de abril desse ano e conta com doze episódios.

   A história de Sukasuka se passa num futuro distante, quinhentos anos após a extinção dos humanos pelas mãos de terríveis Bestas. As raças sobreviventes agora residem em ilhas flutuantes no céu, fora do alcance de todos. Apenas um pequeno grupo de garotas, as Leprechauns, são aptas a utilizar as armas antigas necessárias para afastar as Bestas, garantindo a segurança da população. Essas meninas vivem uma vida instável e passageira, onde um chamado para a morte pode ocorrer a qualquer momento. No meio disso tudo surge um personagem improvável: um jovem que perdeu tudo em sua batalha final quinhentos anos atrás, o último ser humano vivo que acaba de despertar de um longo sono congelado. O humano, Willem, irá se envolver com as Leprechauns e juntos eles irão compreender gradualmente o que significa família e procurar proteger suas vidas.

   Sukasuka é uma história que, logo nos primeiros cinco minutos de episódio já deixa bem claro a que veio. A narrativa inicia-se com uma espécie de prólogo, para então retroceder e começar a contar a história propriamente. Neste curto prólogo já é possível perceber que Sukasuka será uma história permeada por drama e pelo elemento da morte, perfeito para emocionar o expectador.

      Não é spoiler dizer que Sukasuka termina em tragédia, uma vez que desde o início o expectador já tem uma boa ideia de qual será o final da narrativa; na verdade, tragédia é uma palavra ótima para descrever a obra. Um dos elementos utilizados para classificar uma tragédia é a ideia de uma história que “começa bem e termina mal”, e pode-se dizer que, de uma certa forma, Sukasuka é um pouco assim. Um pouco, claro, afinal não se pode dizer que uma narrativa onde garotas adolescentes lutam contra bestas, podendo morrer a qualquer momento, comece “bem”. 

    Entretanto, deixando de lado a definição de tragédia, Sukasuka continua lindo e emocionante. Apesar da alta carga dramática, capaz de causar até mesmo uma espécie de tensão na narrativa, a obra não soa melodramática nem piegas. Não é um drama forçado, ou uma novela mexicana, a carga sentimental é inserida devagar, em doses quase homeopáticas, preparando o expectador para o que estar por vir. Mais do que isso, ainda que você saiba o que está por vir, em alguns momentos aparece um ou outro raio de esperança.

    Para além disso, existem ainda momentos cômicos que servem para aliviar a tensão e o romance existente entre os protagonistas, fio condutor de toda a narrativa, é muito bonito, fofo e convincente.

   Veja bem, têm-se um mundo onde os humanos não existem mais, as raças que sobraram vivem em ilhas suspensa e há bestas sanguinárias prontas para atacar a qualquer instante. As únicas capazes de garantir a segurança desse mundo são garotas absurdamente jovens. Junto de tudo isso, têm-se um casal que precisa ser desenvolvido de uma forma que torne o elemento trágico convincente, de uma forma que comova o expectador. E dá certo! O casal é convincente, a narrativa é convincente, os personagens e a mensagem que tentam passar, tudo convence.

   Muito provavelmente, parte dos créditos pelo bom funcionamento da história deve ir para os personagens, em especial os dois protagonistas e as Leprechauns. Willem Kmestch é o grande protagonista da história. Ele é o último humano vivo e acaba de acordar de um sono muito longo, porém possui vários arrependimentos por ter falhado várias vezes em proteger as coisas que amava. Sem ter o que fazer ou para onde ir, Willem acaba arranjando um emprego como gerente de um armazém onde se encontram armas especiais. É nesse trabalho que se encontra novamente com Chtolly, uma garota com quem ele já havia cruzado na cidade antes.

       Chtolly Nota Seniorious, por sua vez, é uma das Leprechauns. Sua função é lutar contra as Bestas e por isso sua vida pode acabar a qualquer instante. Ela é uma garota muito dedicada, que cuida muito bem das Leprechauns mais novas, além de ser absurdamente forte. Não é surpresa nenhuma ela se apaixonar por Willem após encontra-lo novamente. 

    No que diz respeito à demais Leprechauns, elas são várias, cada uma com sua peculiaridade. As mais novas são absurdamente fofas e as mais velhas possuem um grande senso de responsabilidade com relação ao trabalho que desempenham. Porém, o que as une de forma inquestionável é o pouco valor que dão às suas próprias vidas.

     No mundo em que estão inseridas as Leprechauns são armas vivas, sua função é simplesmente proteger as ilhas flutuantes. Elas sabem que podem sucumbir a batalha em qualquer momento e não hesitam em descartas suas vidas para derrotar um oponente que seja muito forte.

      Toda a questão do pouco valor que as jovens garotas dão a si mesmas, somado à ambientação da história, mais o desenvolvimento da relação entre o Willem e Chtolly dão base à narrativa de Sukasuka e tornam a obra tão atrativa. É bonito, dramático, triste e deveras sofrido, sem deixar de ser engraçado e aquecedor em vários momentos. As relações que as Leprechauns travam entre si e as transformações que o convívio entre elas e Willem realizam em ambos é algo muito bom de se acompanhar.

      Sukasuka é aquela história que desde o primeiro instante o expectador já sabe o que o aguarda, sem grandes surpresas. Aos poucos, a narrativa vai construindo o caminho que o levará para o derradeiro fim. E embora já se saiba o que esperar, cada passo da jornada é valioso e ao chegar ao destino têm-se uma espécie de sensação de dever cumprido, misturado com um aperto no peito de saudade e a certeza de que valeu a pena toda a trajetória.


“Prometemos que sempre ficaríamos juntos
E essa promessa me trouxe paz.
Percebi o quanto ela significava para mim.
E perceber isso me deixou alegre.
Eu disse a ela que a faria feliz.
E aquelas palavras me deram satisfação.
Ela me deu tantas coisas
que eu achei que nunca teria.
Mas eu...”





Alice, seus sonhos e seu País das Maravilhas - Alice to Zouroku (resenha)

“Quando Alice ficar adulta
ela com certeza contará histórias estranhas
para criancinhas que se parecem com ela.
E, nessas histórias, ela provavelmente
contará aquela...
A história de um mundo fantástico
com o qual sonhou há muito tempo. ”

     Alice é, com certeza, um nome deveras emblemático. Quando esse pequeno conjunto de letras é pronunciado, muito provavelmente, algo será evocado na memória de quem o ouve. Não é Alice o nome de uma das heroínas da Disney? Não é Alice o nome daquela garotinha do livro de Lewis Carrol? Uma menina esperta e muito curiosa que persegue um coelho atrasado, acabando por cair dentro de sua toca e lá no fundo descobrir um mundo de maravilhas... 

     O nome Alice e todo sentido e relações que ele carrega é frequentemente utilizado, ou reutilizado, na literatura, no cinema e nas demais mídias. Vários capítulos extras, episódios especiais e fillers de diversos títulos de mangá e anime já foram lançados utilizando-se de alguma forma da história de Carrol, seja através de um crossover ou de uma caricatura.

    Um dos animes da há pouco encerrada temporada de abril, faz mais ou menos a mesma coisa, porém, talvez dando um passo além. Alice to Zouroku é baseado em um mangá homônimo de autoria de Tetsuya Imai; a história foi serializada em 2012, no Japão, e compilada em sete volumes no formato tankôbon. Alice to Zouroku se apropria do nome “Alice”, como também da ideia e do conceito de “País das Maravilhas” criando algo novo, ao mesmo tempo que deixa mais do que evidente as referências e intertextualidades com a obra de Lewis Carrol.

       A história começa com um grupo de garotas que possuem um poder chamado “Sonhos de Alice”, habilidade que as torna capazes de fazer sua imaginação se tornar realidade. Essas meninas são tratadas como objeto de pesquisa em um determinado laboratório. Uma dessas garotas, Sana, cujo poder específico inclui a habilidade de ignorar as leis da física e manifestar qualquer coisa que ela seja capaz de imaginar, escapa do laboratório e encontra Zouroku, um velho levemente ranzinza que não gosta de interrupções em sua vida cotidiana. 

    Apesar do início “garotas presas em laboratório → uma delas foge → o laboratório passa a persegui-la” Alice to Zouroku não se mantém o tempo todo nessa linha. Na realidade, a história se trata muito mais de acompanhar o cotidiano de Sana após seu encontro com Zouroku e seu crescimento, do que uma corrida “dos caras maus” atrás da protagonista.

      O primeiro episódio do anime pode não agradar muito visualmente, já que a animação não é das melhores e, embora melhore um pouco nos próximos episódios, não sai muito do médio-regular, entretanto, a história compensa. Alice to Zouroku consegue reunir numa mesma narrativa uma parte inicial de fuga, batalhas, fortes emoções e descobertas, e uma parte seguinte de um slice of life cotidiano quase tão fofo quanto Amaama to Inazuma. No que diz respeito aos personagens, eles são em sua maioria muito carismáticos, inclusive o rabugento Zouroku. 

    Comecemos a falar dos personagens por Sana, a protagonista. Conhecida no laboratório como Rainha Vermelha, a garotinha é capaz de criar com seu poder absolutamente qualquer coisa que imaginar. Ela possui entre 8 e 10 anos e sua inocência causada pela idade e pelo desconhecimento que possuí com relação ao mundo exterior acaba, às vezes, lhe trazendo problemas. Ao fugir do laboratório encontra-se com Zouroku, àquele que irá acolhe-la e, ao seu lado, protagonizar cenas de imensa fofura.

   Zouroku, por sua vez, é um velho rabugento dono de uma floricultura. Inicialmente, ele tenta não se envolver de forma alguma com Sana, mas é incapaz de deixar uma garota tão jovem abandonada à própria sorte. Apesar de ser um tanto resmungão e ter uma cara um tanto fechada, Zouroku é um avô muito amoroso tanto para Sana quanto para sua neta biológica.

    Kashimura Sanae é a neta de Zouroku. Ela mora com o avô desde que seus pais morreram, há muitos anos atrás. Sanae aceita Sana com muita facilidade em sua casa, feliz por ter uma espécie de irmã mais nova. A garota demonstra ter um jeitinho um tanto desligado que acaba sendo um bom escape cômico.

    Além de Sana, existem outras garotas no laboratório, também possuidoras dos “Sonhos de Alice”. Dentre essas meninas estão Asahi e Yonaga, gêmeas idênticas cujas habilidades são, respectivamente, materializar qualquer arma conectada à uma corrente e invocar um arco. 

      Outro núcleo de personagens da narrativa são os encarregados do governo ocupados de investigar sobre os “Sonhos de Alice” e sua coexistência com os demais seres humanos. Fazem parte desse núcleo Naitô Ryû, um antigo amigo de Zouroku que deseja saber mais sobre os “Sonhos de Alice”; Yamada Noriko, uma especialista técnica que trabalha junto com Naitô, admiradora fervorosa de sua veterana; e Ichijo Shizuku, a assistente de Naitô capaz de invocar 666 armas diferentes. 

    Não é somente o carisma dos personagens, porém, que torna Alice to Zouroku uma narrativa prazerosa de ser acompanhada. No próprio enredo existem algumas sutilezas que devem ser levadas em consideração. Como, por exemplo, o fato de os “Sonhos de Alice” serem poderes que materializam e evocam coisas a partir da imaginação de suas usuárias, em sua maioria garotas muito jovens. Nesse detalhe tão simples, há uma espécie de valorização da imaginação infantil como uma força poderosa.

  Essa ideia é consideravelmente explorada na narrativa, principalmente no que diz respeito à Sana. A protagonista é uma criança tão jovem e tão pura quanto a ideia que, de fato, se faria da Alice de Carrol. Sua curiosidade e inocência, características tão genuinamente infantis, combinadas com seu poder criam uma protagonista que desperta simpatia no público e servem para dar um clima leve, um tanto aconchegante, quase inserindo nostalgia, à trama.

     Outro ponto sutil, mas interessante da narrativa é o próprio “País das Maravilhas”. Ele aparece na história como um fenômeno sem explicação de onde nasce Sana, um lugar onde tudo parece ser possível e onde a palavra “maravilhas” pode exercer todos os seus sentidos amplamente. Não é apenas uma referência, é mais do que isso. Ocorre uma espécie de ressignificação ou talvez uma acentuação de significado. O País das Maravilhas tem fome de conhecimento do mundo humano, ele quer aprender tal qual uma criança curiosa. 

    Ainda no campo das sutilezas, vale a pena citar a abertura e o encerramento que combinam maravilhosamente com a narrativa tanto em temática quanto em clima. São absurdamente lindos e bem sacados, principalmente, no que diz respeito às músicas escolhidas. 

    Alice to Zouroku não é uma obra prepotente, nem possuí grandes ambições. É uma história bonitinha, engraçada e leve, com alguns toques de drama e batalhas, nada muito além disso. Uma narrativa singela e carismática como sua protagonista, que acaba por explorar, propositalmente ou não, alguns aspectos da criança e da infância. No anime, ecoa a Alice de Lewis Carrol de uma forma que vai além das referências e intertextualidades, quase como se uma essência tivesse sido captada. A essência de Alice, que não é apenas uma, mas várias: as muitas Alices que por aí existem, crianças curiosas, ingênuas, mas espertas, imaginativas o suficiente para criarem seu próprio País das Maravilhas, que não só ouvem como também vivem histórias, aventuras que um dia contarão para outras crianças tão curiosas, imaginativas e sonhadoras quanto elas.


“Esta é....
... a história de uma garota....
...que continua procurando a ‘si mesma’,
para que vire seu ‘eu’”.


Criando uma heroína chata - Saenai Heroine no Sodatekata Flat (resenha)

“Blessing Software não desaparecerá”

      “Quando um otaku dá tudo de si, é melhor abrir caminho”, essa foi a mensagem que ficou ao final da primeira temporada de Saenai Heroine no Sodatekata. Pouco mais de um ano depois, o anime retorna para uma segunda temporada, Saenai Heroine no Sodatekata Flat, fazendo o que já era bom ficar melhor ainda. 

     Para quem, infelizmente, não conhece convém explicar um pouco do enredo:  Saenai Heroine no Sodatekata, mais popularmente conhecido como Saekano, é baseado em uma light novel escrita por Fumiaki Maruto e ilustrada por Kurehito Misaki. O enredo gira em torno do protagonista Aki Tomoya, um otaku que após um impressionante encontro com uma garota numa ladeira, resolve fazer um galge moldando sua heroína na garota que avistou no fatídico dia. Para conseguir realizar o jogo, Tomoya conta com o apoio de Kasumigaoka Utaha, Sawamura Eriri, Hyodo Michiru e Kato Megumi, a garota com quem ele teve o “encontro predestinado”. Juntos, eles formam a equipe de doujin, Blessing Software.

      Nesta temporada, todos os personagens já tão conhecidos e amados pelo público que acompanha Saekano retornam ainda melhores. Dessa vez, o anime teve uma maior carga emocional e aprofundou melhor as personalidades e relações entre alguns personagens. Foi uma narrativa mais profunda e impactante do que a primeira temporada, isso sem deixar o humor de lado e sem perder a mão. 

      Os destaques do arco foram, com certeza: o desenvolvimento da personalidade da Kato, o relacionamento entre Kato e Tomoya, e o relacionamento entre Utaha e Eriri. A primeira temporada foi um pouco mais focada na representação do Tomoya e em mostrar o tipo de pessoa que ele é, otaku profissional, por assim dizer. Aki Tomoya é um cara que não tem vergonha de ser quem é de verdade, um otaku muito bom em ser otaku, e essa é uma das suas maiores qualidades. A temporada anterior também apresentou as personalidades das heroínas, dando um pouco mais de destaque para Eriri e Utaha.

        Nessa segunda temporada, entretanto, foi a vez de Kato brilhar. Kato Megumi é, como bem se sabe, a heroína do jogo; ela é a garota usada como molde para desenvolver a protagonista do jogo que a Blessing Software desenvolve. Para além disso, a palavra “boring” não seria capaz de descrever Megumi com exatidão. Na primeira temporada ela é mostrada como uma garota sem muitas emoções, o tédio em pessoa, a primazia da apatia... àquela que não se encaixa em nenhum estereótipo. Chamá-la de chata ou de personagem sem graça ainda seria um equívoco, pois a garota não se encaixa nem mesmo nesse tipo. Enfim, Kato foi a garota que encantou a todos por ser simplesmente ela mesma.

       Porém, essa Kato de Saekano Flat veio para desmontar todas as certezas que você tem sobre ela. Kato demonstra emoções, não uma, mas várias... O bastante para deixar Tomoya confuso e o espectador com o coração na mão. Da raiva à gentileza, Megumi trilha um caminho que a torna uma personagem cada vez mais interessante, fazendo-a cair de vez nas graças do público.

      Como consequência disso, sua relação com Tomoya vai se desenvolvendo pouco a pouco, enchendo tanto o protagonista, quando o público, de certezas e incertezas. Os dois protagonizaram cenas lindas nos mais variados sentidos. Sentimentais, emocionantes e, obviamente, absurdamente engraçadas. A química da dupla só fez aumentar nesses onze episódios, deixando o espectador curioso para saber o que mais vai acontecer nas próximas etapas da narrativa.


       Todavia, não só de Kato viveu Saekano Flat, embora ela tenha sido uma das estrelas, Utaha e Eriri também tiveram seus momentos. E que momentos! Essa temporada explanou um pouco melhor como iniciou-se a relação entre Utaha e Eriri e foi além, estreitando os laços entre as duas. Apesar das desavenças, as garotas se respeitam mutuamente como criadoras de conteúdo e as cenas que evidenciaram tal afirmação foram de encher os olhos, inclusive de lágrimas.

        Os onze episódios que compuseram essa segunda temporada foram, absurdamente, lindos. A carga sentimental era exata, as expectativas sempre superadas e a introdução de novos dilemas e dramas foi sútil, dando um ritmo gostoso de acompanhar à narrativa. Se na temporada anterior já não haviam motivos para tédio, nessa então, nem se fale. A cada episódio, a cada piscar de olhos, o expectador se via diante de algo que, se não era inesperado, era no mínimo cativante, talvez até extasiante.  

      O padrão técnico de qualidade foi mais ou menos o mesmo da temporada anterior. A animação é acima da média e linear, ganhando muito com relação às cores e à ambientação. A trilha sonora também foi bastante bonita; o conjunto música + animação, tanto da abertura, quanto do encerramento foi muito legal de se ver.

           Infelizmente, nessa temporada não houveram muitos momentos da Michiru nem da Izumi, de fato as duas desaparecem completamente na metade da temporada, em prol do desenvolvimento das personagens e relações citadas. Mas, em uma terceira temporada, elas podem vir a retornar com uma força maior.

       Saekano é uma daquelas obras que em um primeiro olhar não parece apresentar nada de novo sob o sol. É a história de um grupo de otakus desenvolvendo um jogo e possuí um protagonista e várias heroínas, um padrão harém. Porém, os personagens são ótimos e carismáticos, com um bom desenvolvimento, e a narrativa tem uma carga emocional muito interessante.

       Acompanhar Saekano é uma experiência muito agradável, cada episódio é interessante à sua maneira e te deixa empolgado pelo próximo. A narrativa é capaz de envolver o público, contendo momentos consideravelmente impactantes.

        Foi um dos animes mais gostosos de acompanhar da temporada de abril, um mix de emoções semanal, que deixou a todos com gostinho de quero mais. Engraçado, carismático e portador de fortes emoções, Saekano foi em 2015, e ainda é uma ótima pedida. Saekano Flat balançou não só as estruturas e as emoções de seus personagens, como também daqueles que assistiram ao anime, provando que o adjetivo “chato” do título (saenai) não serve para descrever a obra.


“Por favor, faça-me novamente uma heroína

Que todos ficarão com inveja”











O desejo da escória - Kuzu no Honkai (resenha)

“Amor sem esperança
Amor doloroso
Amor não correspondido.
Eles são mesmo tão belos assim?
Eu acho que não.
Estamos namorando, mas...
Somos substitutos de outra pessoa um do outro. ”

     As relações humanas são, inegavelmente, um terreno espinhoso. A complexidade das emoções, sentimentos e da psique das pessoas é um assunto sempre complicado de ser tratado. Dentre os sentimentos humanos, o mais discutido, por assim dizer, seja na dita vida real, seja na ficção é, sem dúvidas, o amor; mais especificamente, o amor romântico. Livros, tratados, ensaios, teorias, filosofias, definições... há uma busca incessante para tentar entender melhor o que é, afinal, o tal do amor romântico e quais seus efeitos sobre as pessoas. Há quem diga, inclusive, que toda vez que ouvimos a palavra “amor” automaticamente pensamos no “amor romântico” e que temos a tendência de dar prioridade a ele em detrimento aos demais tipos de amor. Essa é uma afirmação que pode ser contestada, embora não seja de todo errônea. 

       Dentre algumas das teorias sobre o amor romântico têm-se, por exemplo, o Amor do Romantismo no qual está contido a supervalorização do ser amado, único capaz de trazer toda a felicidade e completude ao apaixonado; nele, há ainda o conceito de Amor Reserva, onde a amada não pode ser maculada pela realização do amor através do contato físico. Entretanto, apesar do Romantismo ser um movimento do século XIX, o conceito de amor romântico das obras da época é muito semelhante ao conceito de amor das poesias provençais e das cantigas de amor do Trovadorismo.

     Em oposição completa ao Amor do Romantismo, haveria, então, uma outra teoria do Amor Contemporâneo, no qual há a supervalorização do “eu” em relação ao outro, tratando o suposto ser amado como uma espécie de mercadoria e descartando-o quando este não serve mais; ou seja, uma pessoa X só se relaciona com uma pessoa Y até o momento em que esta pessoa Y atende suas necessidades, a partir do momento que a pessoa Y não é mais “útil” para a pessoa X esta o descarta e troca por uma pessoa Z.

     Como uma espécie de equilíbrio entre essas duas teorias, ou modos de amar, haveria o que se pode chamar de Saúde Mental: quando dois indivíduos em um relacionamento reconhecem a si mesmos e ao outro como indivíduos dotados de defeitos, qualidades e necessidades, não depositando no parceiro toda a responsabilidade de fazer ao outro feliz e construindo juntos o relacionamento.

     Juntamente com os conceitos de amor há também, uma vez que a afeição não seja correspondida, o conceito de melancolia. Este é um fator recorrente em algumas obras do Romantismo, por exemplo. Os conceitos que temos de amor, correspondidos ou não, são na maioria das vezes herdeiros, de alguma forma, do Romantismo. Em Kuzu no Honkai, provavelmente não serão encontrados tantos elementos do Amor do Romantismo, entretanto, estão presentes na obra dois conceitos que se relacionam com as teorias sobre o amor: amor não correspondido e melancolia.

        Adaptado a partir de um mangá de autoria de Mengo Yokoyari, Kuzu no Honkai tem como protagonistas Yasuraoka Hanabi e Awaya Mugi, dois adolescentes de dezessete anos que parecem ser o casal ideal. Ambos são populares e parecem se encaixar muito bem juntos. Entretanto, o que as outras pessoas não sabem é que tanto Hanabi, quanto Mugi são secretamente apaixonados por outras pessoas e só estão juntos para acalmar sua solidão. Mugi é apaixonado por Minagawa Akane, a jovem professora de música que costumava ser sua tutora; Hanabi, por sua vez, é apaixonada por Narumi Kanai, o professor de literatura a quem conhece desde criança. Mugi e Hanabi encontram um no outro um lugar onde podem sofrer por seus amores não correspondidos e consolam-se compartilhando uma intimidade física conduzida pela solidão. 

     Existem algumas coisas que devem ser observadas assim que se põe os olhos em Kuzu no Honkai: primeiro, Hanabi e Mugi se relacionam fisicamente para acalmar sua solidão e encontrarem consolo. Em outras palavras mais diretas, eles se tocam e se acariciam mutuamente enquanto pensam em seus amados. Sim, enquanto se beijam projetam um no outro a imagem daqueles por quem são apaixonados, chegando a chamar pelo nome dessas pessoas. A segunda coisa a se notar é que Kuzu no Honkai significa Desejo da Escória e isso é algo importante e que deve ser mantido em mente por conta do desenvolvimento que a história terá.

O início da narrativa é um tanto quanto apreensivo; quando se tem uma temática dessas, uma sinopse dessas, começar a acompanhar a obra é sempre um ato de pisar em ovos. Logo de cara, você se vê imerso numa atmosfera de grande melancolia, mas não é uma melancolia aquecedora, é uma melancolia dolorosa. Entretanto, nessa melancolia dolorosa há muita beleza. Essa sensação acontece tanto no anime quanto no mangá. Inclusive, a adaptação é muito fiel; todas as coisas que acontecem no anime também acontecem no mangá, a única diferença é que nos quadrinhos as divagações e reflexões dos personagens são mais acentuadas. O anime acaba focando mais nas ações, enquanto o mangá dá um espaço maior para o desenvolvimento das emoções e pensamentos dos personagens. Por causa disso, algumas coisas acabam sendo mais impactantes no mangá. 

     Falando mais especificamente do anime, se por um lado são priorizadas as ações, a parte técnica ajuda muito a lidar com as sensações e os sentimentos envolvidos. As cores, os ângulos, os focos, até mesmo os cortes de cena.... Tudo ajuda a construir a atmosfera de melancolia dolorosa com o qual você se acostuma e se vê imerso. Não é reconfortante, mas é muito bonito e agradável não só como narrativa, mas também como mídia visual. A trilha sonora também é muito bem escolhida, desde as músicas de fundo das cenas até a abertura e o encerramento, também muito bonitos e cujas letras das músicas se encaixam perfeitamente com os personagens e o tipo de relações nas quais eles estão envolvidos. 

    Kuzu no Honkai tem essa atmosfera melancólica, dolorosa e bela que, em alguns momentos pode até se tornar aquecedora. A história também é capaz de te refazer refletir sobre algumas questões, nem que seja apenas com relação à narrativa, já que o enredo não fica apenas no plano do amor não correspondido. Apesar de, obviamente, amor não correspondido ser um dos cernes de Kuzu no Honkai, conforme a narrativa se desenvolve entra em cena um outro fator: a naturalização das ações humanas. 

      Algumas vezes, alguns escritores, tratam de assuntos polêmicos ou perversos de forma naturalizada. Para mostrar o quão cruel aquela atitude, os autores fazem com que a atitude, normalmente condenada pela sociedade ou antiética, seja aceita por um personagem, um grupo de personagens ou simplesmente não seja grandemente relevante ou problematizada no enredo da obra. Isso acontece um pouco nas Narrativas Libertinas, onde o protagonista da história realiza um grande número de ações imorais ou ilegais sem nunca ser pego ou sentir culpa. E também aparece em alguns contos de Machado de Assis, como O Caso da Vara, por exemplo. Kuzu no Honkai está mais para a naturalização da violência de O Caso da Vara do que para as Narrativas Libertinas.

O que acontece em Kuzu no Honkai é o seguinte: Lembra-se que o título da obra é Desejo da Escória? Então, por causa de seus amores não correspondidos e pelas relações que têm com esses amores, os personagens fazem muita bobagem. Assistir o anime é um grande exercício porque não existe, de fato, um vilão na história. Todos os personagens são egoístas, só pensam neles mesmo e machucam a si mesmos e aos outros o tempo todo. O que está em questão não é se as atitudes dos personagens são certas ou erradas, mas sim o que as pessoas são capazes de fazer por amor, obsessão, desespero, solidão e outros tipos de sentimentos. Obviamente, você enquanto expectador não vai gostar de todos os personagens — talvez você não goste de nenhum — nem precisa apoiar as decisões deles — você não vai e não deve apoiá-las —, mas a questão é que tudo é naturalizado. A partir de um determinado momento, tudo começa a depender da perspectiva do próprio expectador. Todos são culpados, todos fizeram coisas erradas e se alguém é pior ou não, aí é você quem decide. 

      Para esclarecer um pouco mais essa questão, é necessário falar um pouco sobre os personagens mais relevantes. Infelizmente, é impossível falar de Kuzu no Honkai sem dar spoiler, portanto, se você quiser parar por aqui, sinta-se à vontade.

Comecemos pela protagonista, Yasuraoka Hanabi, a tola. Apaixonada pelo professor Kanai, amigo de sua família que a considera uma irmã mais nova, Hanabi se vê em uma relação física com Mugi para aliviar sua solidão. Melancólica e solitária, ela quer ser tocada, quer consolo para sua tristeza por saber que nunca terá a menor chance com Kanai. Apesar de parecer, inicialmente, uma coitada que só sofre, em um determinado momento da narrativa ela também começa a fazer bobagem — como se já não fosse bobagem o bastante “se agarrar” com Mugi enquanto pensa em Kanai. Ao descobrir a verdadeira personalidade de Akane, Hanabi resolve tentar vencê-la em seu próprio jogo, embora não tenha a menor vocação para isso. A uma certa altura da narrativa ela admite ter medo da solidão e se sentir vazia quando não está sendo tocada; Hanabi é egoísta e age por impulso, o que a leva a se envolver com sua melhor amiga, usando-a tal qual usa Mugi. 

      Awaya Mugi, o malicioso. Há dentro de Mugi uma espécie de perversidade que vai se mostrando lentamente no desenvolver da narrativa. Assim como os demais personagens ele tem a marca do egoísmo, mas não é só isso, ele tem uma espécie de quase maldade. De uma certa forma, Mugi não se importa de usar as pessoas ou mesmo os sentimentos delas por ele, mas acaba nem sempre concluindo suas ações. Sua relação com Hanabi não é a primeira a soar torta e nada saudável em sua vida. Entretanto, ele ama Akane de uma forma as vezes quase ingênua. 

Minagawa Akane, a perversa. Akane é, com certeza, uma das personagens mais odiadas de Kuzu no Honkai, embora há quem diga que ela é a única honesta. Bom, independente de gostar dela ou não, é inegável que sua personalidade é muito bem construída, talvez uma das mais bem construídas do anime. Akane é uma mulher linda e confiante, de aparência pura e doce, capaz de ter o homem que quiser. Porém, apesar de confiar muito bem em seu próprio taco e ter certeza que é capaz de deixar qualquer homem a seus pés, Akane não tem uma autoestima tão alta assim. Sendo mais exata, Akane não ama a si mesma.

      Minagawa só é capaz de se definir através do desejo dos homens e da inveja das outras mulheres. A prova de que ela é bela e desejável está no fato de que um homem, desejado por outra mulher, a deseja. Resumindo: por mais sem graça que um homem possa parecer a seus olhos, ele se torna imediatamente interessante para ela a partir do momento em que Akane percebe que outra mulher o ama. Ela precisa sentir que está tirando algo de alguém para sentir que possuí, de fato, algum valor.  Akane gosta de receber a fúria e a inveja das outras mulheres, ela gosta de fazê-las chorar por terem sido preteridas. Minagawa Akane é egoísta, não se importa com ninguém além de si mesma e só sabe ser assim. Entretanto, justamente por ser desse jeito é que ela a personagem que nunca decepciona. Ela é previsível, você sempre sabe o que ela vai fazer. Portanto, não foi surpresa nenhuma seu envolvimento com Kanai.

      Narumi Kanai, o adepto ao NTR. Kanai é um homem gentil e tímido, um jovem professor de literatura. Ele se apaixona à primeira vista por Akane e não sabe muito bem como se declarar para ela. Apesar de ser o personagem mais sem graça, surpreende muito uma vez que conhece a conduta de Akane a aceitando sem pensar duas vezes. Mesmo quando ela diz que irá traí-lo, Kanai simplesmente não se importa. Algo meio inesperado partindo da primeira imagem que se tem do personagem. 

Para tornar a narrativa ainda mais complicada, fora os quatro primeiros envolvidos existem outras duas personagens. Ebato Sanae, a desesperada. Melhor amiga de Hanabi, Ecchan é a definição e tradução da palavra desespero. Apaixonada por Hanabi, ao perceber que a amada não gosta de Mugi, Ecchan se voluntaria para ser a substituta que Hanabi precisa. Apesar de relutar, Hanabi aceita se relacionar com Ecchan e daí para frente Ebato vai ladeira à baixo. Ecchan prefere ter uma relação tóxica e doentia com Hanabi a não ter relação nenhuma. Ela se nega a deixar Hanabi ir, se nega a cortar relações, não importando o fato de Hanabi amá-la ou não. Sanae entra em uma espiral de desespero e começar a ter atitudes cuja palavra impulsiva não é capaz de descrever. Mesmo assim, apesar de amar Hanabi, as portas do coração de Ecchan estão sempre fechadas e no fim das contas ela também está sempre sozinha. 

         A última pessoa envolvida em todo esse bolo de melancolia e dor é Kamomebata Noriko, a coitada. Apesar de ter uma conotação meio forte, “coitada” é a palavra que mais descreveria Noriko, juntamente com “boba”. A garota que prefere ser chamada de Moka é amiga de infância de Mugi e apaixonada por ele há muito tempo. Muito bonita e fofa, Moka tenta viver uma espécie de conto de fadas no qual Mugi não está nem um pouco interessado em ser o príncipe. É uma personagem irritante, mas é uma das que faz menos bobagem ao longo da história. Moka é vítima dos outros e de si mesma. Seu amor por Mugi a faz deixar de lado suas convicções e as coisas que deseja para si mesma, ela sofre por saber que ele é incapaz de amá-la. Moka é importante para Mugi, por isso ele reluta em se envolver com ela, entretanto, se não pode tê-lo, ser importante de nada vale para ela. 

     Esses seis personagens se veem envoltos em uma atmosfera melancólica e dolorosa, na qual eles sofrem cada vez mais machucando uns aos outros e a si mesmos, porém, toda essa melancolia dolorosa é absurdamente linda. Kuzu no Honkai é poesia, não só nos momentos dolorosos, mas principalmente nos momentos em que a melancolia se torna tépida. Além de execução técnica, a obra tem um clima agradável, por mais impossível que isso parecer. É uma narrativa interessante de se acompanhar, que acaba te fazendo refletir sobre algumas questões e também pode te fazer sentir muita raiva dos personagens. A questão em Kuzu não é ser bom ou ruim, é só ser, só agir, fazer qualquer coisa, por pior que essa atitude seja, e tudo acaba sendo relativizado já que todo mundo é errado mesmo.

       Acompanhar Kuzu no Honkai é um exercício: lembrar que ninguém é um vilão, sentir raiva dos personagens que você não gosta, então sentir raiva dos personagens que gosta porque eles também estão fazendo bobagem.... É ficar imerso numa melancolia dotada de muito sofrimento, que acaba se desdobrando em mais sofrimento, até se tornar uma atmosfera tépida. No final de tudo, você acaba sentindo uma espécie de tristeza aquecedora quase esperançosa. Kuzu no Honkai é uma daquelas obras que faz com que seja possível afirmar que existe beleza no choro, na dor, no desespero e na melancolia.
“Eu não sei como é beijar alguém que eu amo. ”


Resenha: Sangatsu no Lion

“Eu gosto do rio.
Não existem muitas coisas que eu goste...
...mas quando vejo uma grande quantidade de água junta,
eu entro em um transe enquanto minha mente se esvazia.”

          O shogi é um jogo que poderia ser considerado a versão japonesa do xadrez; assim como neste, peças são dispostas em um tabuleiro e os jogadores têm como objetivo impedir que o rei adversário se movimente e, então, derrota-lo. O jogo, muito mais recorrente nas tramas de mangás e livros de literatura japonesa do que um primeiro olhar sugere, é peça central do enredo de Sangatsu no Lion. 

     Não é incomum se deparar com uma história sobre jogadores de futebol, de basquete ou de vôlei, mas Sangatsu conta a história de um jogador de shogi. Kiriyama Rei tem dezessete anos e é um jogador profissional de shogi pertencente ao rank C-1, 5º dan. O garoto reside, sozinho, em uma cidade situada ao longo de um grande rio. Rei tem um passado marcado por momentos recheados de tristeza, para não dizer traumáticos, que o transformaram em um garoto solitário e melancólico. Sangatsu no Lion, adaptado a partir de um mangá de mesmo nome de autoria de Chica Umino, relata o quotidiano de Rei, a maneira como ele lida consigo mesmo, seu passado e suas relações com uma família de três irmãs que possuem um grande número de gatos.

     O anime de Sangatsu, que conta com 22 episódios, foi exibido de outubro de 2016 a março de 2017 e já tem segunda temporada confirmada para outubro desse ano. Um live action que será divido em duas partes também irá ao ar ainda no primeiro semestre de 2017.

         Sangatsu no Lion é um anime que poderia ser facilmente descrito pela palavra “bonito”, embora essa não seja a única qualidade que a série apresenta. A narrativa tem, em seu início, um tom melancólico, mas ao mesmo tempo acolhedor que acaba por envolver completamente o expectador. Assistir Sangatsu é sempre uma boa experiência, quase uma contemplação e você termina o episódio sempre com o coração aquecido. 

     O enredo é construído de uma forma a tornar tudo muito belo e a parte técnica se adequa perfeitamente à proposta da trama. O character design é muito bonito, não deixando a desejar se comparado ao mangá; as cores utilizadas são bem escolhidas e contribuem bastante para transmissão das sensações da cena que se desenrola; a trilha sonora é muito boa. Além de sonoramente agradáveis, as aberturas e os encerramentos casam muito bem com a ideia que o anime transmite e tudo se encaixa; e as cenas das metáforas, onde o Rei se submerge em água e se afoga, demonstrando o quão complicado são seus sentimentos e pensamentos, ou caminha em meio à uma grande quantidade de neve, o que demanda muito esforço... tudo é absurdamente lindo. A execução técnica serve para tornar a experiência do enredo mais completa e mais bela.

    No que diz respeito ao enredo propriamente dito e seu desenvolvimento, tudo anda bem devagarinho, mas com uma evolução constante. Sangatsu tem personagens muito bons: alguns deles são muito carismáticos e nos que falta carisma, sobra malícia. De uma forma ou de outra, a maioria dos personagens consegue causar alguma impressão e, muitas vezes, essa impressão é bem forte. 

           A começar pelo próprio protagonista, Kiriyama Rei, um garoto solitário, melancólico, sem amigos e, obviamente, com vários problemas internos a serem resolvidos. Ele é muito sozinho desde de criança e acabou se envolvendo com o shogi para poder jogar com o pai. Rei se questiona em alguns momentos do porquê continuar jogando shogi; em outros sua cabeça parece um mar de confusão e ele afunda e se afoga dentro de si mesmo. São nessas horas que ocorrem as cenas em que ele submerge nas águas, como se afundasse no mar. É uma imagem muito bonita e muito representativa, que demonstra muito bem a forma com ele se sente.

     Talvez por causa de tudo pelo que o Rei passou, talvez por ele ser tão jovem, talvez pelo jeito tímido dele e pela ideia não tão boa que ele faz de si mesmo, Rei desperta um sentimento de proteção e afeto. Você quer vê-lo bem, você quer vê-lo feliz... E ele evoluí muito entre o primeiro e o último episódio. Rei melhora um pouquinho mais a cada dia, aprendendo mais sobre si, sobre os outros, sobre o que quer fazer... É um protagonista que convence.  Talvez seja por isso, também, que ele desperte a simpatia nas irmãs Kawamoto.

    Apesar de muito sozinho, Rei acaba conhecendo e se aproximando de uma família composta por três irmãs — Akari, Hinata e Momo — e um avô. Kawamoto Akari é a mais velha das irmãs. Ela trabalha no bar da tia e na loja de doces do avô. Além de ser uma mãe para as irmãs mais novas, Akari é absurdamente gentil e atenciosa. É ela quem se aproxima de Rei e o coloca em contato com sua família.

     A irmã do meio é Kawamoto Hinata, mais conhecida como Hina, uma estudante do fundamental II com uma personalidade muito animada. Hina é um pouco barulhenta e até mesmo exagerada, o que faz com que as cenas em que ela aparece sejam muito divertidas e agitadas.

     A terceira irmã é Momo, uma garotinha que ainda frequenta o jardim de infância. Ela é simplesmente tão fofa quanto os gatos de sua casa e a maneira como ela tem carinho e interage com o Rei é muito bonitinha de se ver.

     Entretanto, a família Kawamoto não é a única com a qual Rei está envolvido; outra família presente na vida de Rei são os Kouda, com quem ele viveu por vários anos de sua vida. Masachika é o chefe da família e professor de shogi de Rei. Era amigo do pai de Rei e se interessou pelo garoto quando percebeu que ele possuía talento para o shogi. É muito exigente com seus filhos, Kyouko e Ayumu, no que concerne ao shogi; por causa disso sua relação familiar é bastante abalada.

            Kyouko é a filha mais velha da família Kouda e possuí uma malícia no olhar e nas palavras capazes de causar uma grande impressão. Impressão essa que é agravada por conta da sua beleza. Kyouko é, num primeiro olhar, uma personagem muito forte, mas ela tem muitos problemas, sendo um deles o relacionamento com o pai. Ela tem uma relação um pouco confusa com Rei, a quem deveria considerar um irmão mais novo, por ele ser melhor no shogi e ter conseguido se tornar um profissional, ganhando assim o respeito do pai de Kyouko. 

     Além das famílias Kawamoto e Kouda, o elenco de Sangatsu no Lion conta, ainda, com os jogadores de shogi. Destes, dois merecem destaque: Harunobu Nikaido e Kai Shimada. Nikaido é um garoto que joga contra Rei nas competições de shogi desde que ambos eram pequenos. Ele se autodeclara “melhor amigo” de Rei. Apesar de ser muito barulhento, efusivo e exagerado, Nikaido é deveras um bom companheiro para Rei e se preocupa de verdade com o garoto. Ele também tem um lado um pouco convencido demais que acaba por desembocar em vários escapes cômicos.

     Kai Shimada, por sua vez, é um homem educado que aparenta ser bem calmo. Jogador habilidoso, ele promove oficias que ajudam jogadores a melhorar no shogi e trabalhar seus pontos fracos. É muito admirado por Nikaido e, apesar de no início parecer ser só mais um dos jogadores, Shimada se mostra um grande personagem. 

      Esses personagens e todos os outros contribuem para que Sangatsu no Lion seja uma história bonita e aquecedora. Todo o conjunto da obra é muito bonito, muito poético. O trabalho da obra é feito de forma muito esmerada, envolvendo, tocando e aquecendo o coração do expectador. A evolução do Rei ao longo da narrativa e a forma como ele se relaciona com o mundo é algo muito interessante de se acompanhar. Você se apega ao protagonista e seus companheiros, se envolve e se diverte com eles. 

    Sangatsu no Lion foi um dos animes mais prazerosos de se acompanhar das últimas temporadas. Capaz de fisgar o expectador, a cada episódio você se vê mais envolvido no universo de Sangatsu que mistura doses de humor com momentos de reflexão mais sérias. Assim como Rei submerge nas águas de suas emoções e pensamentos, o expectador afunda-se nas águas da narrativa de Sangatsu, de onde observa o desenrolar do cotidiano do protagonista, saindo delas de alma lavada e coração aquecido.