"Encheu-se-lhe
a fantasia de tudo aquilo que lia nos livros, tanto de encantamentos como de
contendas, batalhas, desafios, ferimentos, galantarias, amores, borrascas e
disparates impossíveis."
Quem nunca ouviu falar do famoso Dom Quixote? Aquele fidalgo que, de
tanto ler novelas de cavalaria e livros narrando as aventuras de cavaleiros
andantes, enlouqueceu e resolveu ser sagrado cavaleiro e sair pelo mundo em
busca de aventuras. Ao lado de seu escudeiro, Sancho Pança, Quixote nunca
recua, sempre pronto para desfazer agravos e salvar donzelas; enquanto, no
processo, se mete em muitas confusões.
A história de Dom Quixote é conhecida por muitas pessoas de várias
gerações. Existem trocentas adaptações do livro, sejam edições infantis,
ilustradas ou resumidas. O cavaleiro também já fez várias aparições em outras
obras de ficção, dentre elas, o próprio Sítio do Pica-Pau Amarelo, de Monteiro
Lobato. A narrativa gira em torno de um fidalgo que, após ler muitos livros
contando as aventuras de cavaleiros andantes, acaba por ficar louco. Então, ele
se autodenomina, ou melhor, se renomeia, Dom Quixote e resolve sair pelo mundo
em busca de aventuras, tais quais os cavaleiros andantes dos livros que lia. O
fidalgo, como bom cavaleiro andante, obviamente não está nessa empreitada
sozinho; ele tem seu escudeiro, Sancho Pança, e juntos eles viajam por aí se
metendo em muitas aventuras que sempre terminam em alguma confusão.
Como já foi dito, existem várias edições diferentes de Dom Quixote. A
edição que li foi da editora 34, em dois volumes: O Engenhoso Fidalgo Dom
Quixote de La Mancha (Primeiro Livro) e O Engenhoso Cavaleiro Dom Quixote de La
Mancha (Segundo Livro). Em questão de conteúdo ela é muito boa. Tem uma boa
introdução, dedicatória, história na íntegra, notas de rodapé, tudo bem
completinho, mesmo. O único problema é a encadernação, a capa do livro se solta
sozinha conforme você lê, parece até mágica, porém, esse não é o foco desse
texto.
Voltando para a história de Quixote, eu fiquei bem surpresa com relação
à narrativa, mais precisamente com a linguagem da narrativa. Dom Quixote é um
livro antigo, então, fui esperando uma linguagem pesada e arrastada, mas na
verdade é tudo bem leve. É gostoso ler Dom Quixote! Apesar de ter muitas
descrições e, até mesmo, digressões, a leitura é bem gostosa. Tudo é muito bem
explicadinho, tudo é muito bem detalhado, mas não chega a ser cansativo.
Acho que a coisa mais legal em ler um livro como esse é ver, diante de
seus próprios olhos, a narrativa se desenrolando. É ver como o próprio autor,
Miguel de Cervantes, construiu seus personagens e sua história. Ouvimos falar
de Dom Quixote o tempo todo. Todos conhecemos o episódio dos moinhos de vento,
todos sabemos que ele é louco, todos sabemos que o Sancho viaja montado num
jerico; mas, ver como os personagens, os cenários e a história em si foi, de
fato, construída originalmente (ou o mais originalmente que uma tradução é
capaz de passar), é algo incrível.
Pegando como exemplo os próprios Quixote e Sancho, eles são levemente
diferentes do que costumamos imaginar. Dom Quixote, apesar de ser absurdamente
louco quando o assunto é cavalaria andante, é completamente lúcido e consciente
em relação a qualquer outro assunto. O fidalgo é incrivelmente culto e
inteligente! Em sua loucura, Quixote se molda como um verdadeiro cavaleiro;
apesar de sua armadura capenga, apesar de seu péssimo cavalo, ele acredita ter
um porte e tanto. É até mesmo cativo da "sem par Dulcinéia de El
Toboso", uma camponesa por quem ele foi apaixonado e, uma vez que
enlouqueceu, a escolheu como sua donzela e dona do seu coração. Já Sancho, não
é só um escape cômico, apesar de servir muito para esse propósito também. O
escudeiro é ganancioso, fala bastante (inclusive tem uma língua super afiada) e
sabe uma infinidade de ditos populares. E, apesar de bater de frente com seu
amo de pensamentos baralhados, se mostra muitas vezes bem leal a Quixote.
Foi uma leitura prazerosa e
enriquecedora. São dois volumes grandes, é verdade, porém os capítulos são
muito curtos e a narrativa é leve e engraçada, o que faz com que você leia
consideravelmente rápido. Existem passagens muito divertidas. Se você acha que
a história do moinho de vento é engraçada, saiba que coisas bem piores
aconteceram com Quixote e Sancho Pança.
Outro ponto positivo da obra é que o narrador de Cervantes conta a
história toda como se fosse real. É um pouco semelhante àqueles livros que eram
escritos contando a vida dos reis de Portugal. Quando você lê Quixote, é como
se Quixote tivesse mesmo existido. O narrador tenta mesmo te convencer de que
aquilo é real, que o que ele está fazendo é pura e simplesmente a narração das
façanhas e disparates do fidalgo Dom Quixote, o Cavaleiro da Triste Figura.
Em resumo, Dom Quixote é um daqueles livros clássicos merecedor de todos
os elogios tecidos sobre ele. É leve, engraçado, marcante, inovador. Poderia
ser visto como uma espécie de sátira de ótimo tom aos livros sobre cavalaria
andante. As aventuras de um fidalgo enlouquecido que têm divertido e encantado
muitas pessoas ao longo dos anos. Um livro apaixonante, um clássico!
"Só
para mim nasceu Dom Quixote, e eu para ele; ele soube atuar e eu escrever"
A resenha mais clara e sucinta sobre Dom Quixote.
ResponderExcluirDevido ao fato desse livro ser um clássico, ele é muitas vezes carregado de um didatismo e uma aura erudita muito pesada por parte das pessoas que falam sobre ele. Isso acaba espantando quem não suporta nem ouvir(ou ler) a palavra "clássico", por se lembrar de alguns escritores muito chatos com narrativas muito cansativas e vocabulário hiper rebuscado(talvez por culpa de alguns tradutores safados...). Ainda bem que vc foi logo explicando "...fui esperando uma linguagem pesada e arrastada, mas na verdade é tudo bem leve".
Estou aqui hoje, pois, apesar de o livro do Dom Quixote estar na minha lista de desejos há muito tempo, hoje ele entrou em promoção na Amazon. Queria ler um pouco mais sobre ele antes de efetuar a compra :)
Um abraço!
PS: Vi que vc gosta de animes, então, se ainda não assistiu a trilogia clássica de Gundam(mais o filme Char's counterattack), só te digo que ela é tão essencial quanto Dom Quixote é pra literatura :D
Oh, isso foi elogioso, obrigada.
ExcluirEu queria ter feito uma resenha mais rebuscada por um lado, porque Dom Quixote merece, mas eu não tenho capacidade intelectual pra isso. Acho que gosto de escrever textos que aproximem as pessoas do tema que estou falando, embora eu goste dar um up quando possível.
Dom Quixote tem, verdadeiramente, uma linguagem muito leve. Não é nem uma questão de vocabulário, porque existem alguns palavras não muito conhecidas, afinal, é um livro antigo; mas a maneira que a narrativa se constrói sintaticamente é leve. É gostoso de ler.
Eu sinto que as pessoas tem um preconceito muito grande com os clássicos. É verdade que existem coisas que não são assim tão boas, é verdade que existem coisas que são chatas (Almeida Garret que me perdoe, mas Viagens na Minha Terra foi um parto), porém a gente nunca vai saber se um livro é chato ou não até pegar ele pra ler. Talvez as pessoas não gostem de clássicos porque leem muito cedo na escola. O adolescente é plenamente capaz intelectualmente de compreender um livro clássico, só que muitas vezes ele não está interessado, aí tudo complica. A questão da linguagem as vezes me soa muito como uma construção, de verdade. Como estudante de Letras eu acho mais fácil entender Machado do que Clarice. Você pode não entender todas as palavras que o primeiro usa, mas um dicionário pode ajudar e depois é só refletir sobre a obra. A outra você vai entender todas as palavras, mas as vezes existem umas coisas muito herméticas. É um fluxo de consciência que se você se perder no meio acaba não entendendo o fim. Mas, sempre acho que os mais difíceis de entender são Guimarães Rosa e Hilda Hilst. Esses não é fácil de entender o que tá escrito não. Enfim, desculpe, me empolguei. Voltando ao Quixote: é muito bom, leia, você vai gostar.
Sobre Gundam: Sim, eu já ouvi falar. Eu tenho amigos que gostam. Eu nunca assisti. Vou guardar a recomendação no coração. Quem sabe um dia?!
Enfim, obrigada por comentar, isso me deixou bem feliz. E desculpa se eu exagerei, quando eu começo a falar de literatura eu me empolgo.