“Deveria
ter ido um pouco mais longe. Mas tivera medo. Espantou-se quando, ao se
despedirem, teve de ouvir que ‘não era uma pessoa muito corajosa’. Sentiu como
se o ponto fraco de seus 23 anos houvesse sido exposto de um golpe só. ”
Sanshiro é o primeiro romance da trilogia informal de
Natsume Souseki composta ainda pelos livros E
Depois e O Portal. O protagonista
que dá nome para a narrativa, Sanshiro Ogawa, sai do interior para estudar na
capital, Tóquio; entretanto, a transição para a vida adulta não será como ele
espera. O estudante descobre, pouco a pouco, que seu aprendizado se dá mais ao
observar as nuvens do céu azul de Tóquio, do que ao assistir as supostamente
edificantes aulas da universidade.
Neste romance ambientado na virada do século XIX para
o XX, o protagonista se depara com os restos de um sistema de ensino
ultrapassado, constituído por alunos que fingem estudar e professores cuja
fachada intelectual não resistem à um olhar mais atento.
No ir e vir do pacato e ingênuo Sanshiro, desvenda-se,
por exemplo, a personalidade do soberbo professor Hirota, que passe seus dias
expelindo “fumaça filosófica” pelo nariz; ou ainda do artista Haraguchi
retratista de pinceladas robustas, adepto às modernas tendências europeias. Perto
deles, Sanshiro não passa de um inexperiente estudante, até mesmo no plano
pessoal, evidenciado pelo seu embaraço ao lidar com a instigante Mineko.
Destaca-se no romance a construção psicológica dos personagens;
o humor sutil do Souseki de Eu Sou Um
Gato se faz presente, principalmente nas situações em que Sanshiro não
consegue disfarçar sua dificuldade em lidar com as pessoas e as coisas pertencentes
ao mundo cosmopolita e ao mundo dos adultos. O humor atua ainda no romance na
figura do despreocupado Yojiro, um amigo de Sanshiro que parece não se
preocupar muito com as coisas e que leva sua vida da forma que bem entender.
O protagonista que dá nome ao romance é um
pós-adolescente deslocado da vida real, esperando que a universidade lhe mostre
o caminho para encontrar seu lugar no mundo. Por conta disso, é possível que o
leitor, dependendo do perfil deste, acabe se identificando ou pelo menos
compreendendo Sanshiro. O estudante é de fato um ingênuo que não sabe muitas
coisas sobre o mundo ou a vida, o seu modo hesitante e desajeitado de lidar com
as situações que lhe aparecem tornam a experiência de leitura mais leve e
divertida.
Se comparado a Eu
Sou um Gato, o ritmo de leitura de Sanshiro é mais veloz e fluídico, uma
vez que o primeiro se trata muito mais das observações de um gato sobre seu
dono do que de uma narrativa fechada, enquanto que no último os capítulos
encadeiam-se formando uma narrativa que pode ser mais facilmente dividida em
começo, meio e fim. Ainda assim, em Sanshiro, Souseki nos convida mais uma vez
a observar com olhos mais atentos o caráter dos intelectuais japoneses. Em uma passagem,
o protagonista encontra, em um dos livros da biblioteca, os escritos de um
outro estudante que analisa e critica o sistema educacional ao qual se vê
submetido.
Neste romance, cujo protagonista nomeia a obra, nos
vemos às voltas com um inexperiente estudante que tenta se adequar e compreender
como funciona o mundo dos adultos, mundo este que mais hora, menos hora, ele
terá de integrar.
“Quando
a realidade e a pessoa se fundem e uma única entidade límpida, o que esta pessoa
ensina, o que esta pessoa diz não é uma lição com o propósito de educar, é uma
lição com o intuito de mostrar o caminho. [...]. Uma aula vã, dada com a boca, com o único
intento de mostrar a verdade, é como palavras deixadas por tinta morta sobre o
papel morto... ”
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