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A esperança convertida em excessos - Onde a luz cai (resenha)

“Em toda parte, os chamados inimigos da República
estavam sendo farejados e denunciados sumariamente.
Paris era muito rápida ― até mesmo ansiosa para ver
o mal em qualquer lugar que fosse sugerido.
Provas, como Sophie havia apontado,
não tinham muito peso no temido
Tribunal Revolucionário”

A história da humanidade é deveras longa e, exatamente por isso, fascinante. Embora existam aqueles que digam que história não passa de nada além de um punhado de fatos antigos e encarquilhados, existem mentes que são completamente atraídas pelos episódios que aconteceram há tantos anos, mas que por vezes ainda reverberam leve, ou até mesmo fortemente, nos dias de hoje. E dentre os apaixonados por História, não raros são aqueles que muito se interessam pelos períodos em que o conflito se mostra gritantemente presente: guerras, batalhas, tomadas de governo, revoluções... 

Não é raro encontrar em livrarias não um, mas vários livros sobre temáticas relacionadas à Segunda Guerra Mundial, por exemplo, mas este não é o único episódio histórico a ser retratado na literatura. Em “Um conto de duas cidades” Charles Dickens dá vida uma narrativa que tem como background a Revolução Francesa; agora, muitos anos após Dickens, a Revolução Francesa volta a ser palco de uma narrativa ficcional.

“Onde a luz cai” é um romance norte-americano de ficção histórica que foi publicado no Brasil esse ano pela Editora Gutenberg, pertencente ao Grupo Autêntica. De autoria de Alisson e Owen Pataki, a narrativa se inicia na França de 1792, três anos após a queda da Bastilha. Paris está em polvorosa, fervilhando com os ideais da Revolução; a monarquia foi deposta e a aristocracia foi levado ao fim para criar uma nova nação do povo e para o povo. 


Neste cenário, o narrador do romance segue Jean-Luc, um jovem advogado que vem para Paris junto com sua esposa, Marie, e André, ex-nobre e membro do exército republicano francês. Jean-Luc é um idealista; movido por um senso de dever patriótico, ele vem para capital com o desejo de colocar seus talentos a serviço da Revolução. André, por sua vez, foge de seu passado privilegiado para lutar no exército ao lado do irmão mais novo. Coroando a narrativa, tem-se a presença de Sophie, uma bela e jovem viúva aristocrata, sobrinha de um general tão poderoso quanto vingativo, que embarca em uma luta por sua própria independência.

Há, pairando sobre Paris, uma promessa de esperança com a vinda da República e um novo governo; entretanto, esta esperança começa a ser ameaçada pelo medo, quando a Revolução parece sair do controle em decorrência de sua busca incessante por justiça e vingança que acaba por se transmutar em fanatismo, tornando tudo instável e transformando compatriotas em inimigos.  Em meio a tudo isso, as vidas de Jean-Luc, André e Sophie se entrelaçam, levando-os a questionar os meios e os sacrifícios feitos em prol da nova República.

O enredo de “Onde a luz cai” atravessa os três anos posteriores à queda da Bastilha até a marcha de Napoleão pelas areias do Egito. Desta feita, o romance conta com a presença a de alguns personagens históricos como Robespierre, Luís XVI, Thomas-Alexandre Dumas e, até mesmo, o próprio general Bonaparte.

Para início de conversa, é importante ter em mente que “Onde a luz cai”, trata-se de um romance norte-americano contemporâneo, de forma que a visão dos fatos nele explanados parte deste local. Esta não é uma informação que, de nenhuma maneira, invalide o que está retratado no livro, afinal, os autores estudaram bastante sobre a Revolução Francesa antes de escrever o romance; entretanto, é interessante ter em mente de qual lugar o autor de um livro fala, a fim de compreender melhor a forma que este enxerga o assunto e, assim, ter também uma melhor experiência com o próprio livro.


Dito isto, falemos do romance em si. No que diz respeito a elocução, a tradução de Cristina Nunes demonstra um tom contemporâneo, sem ser frívolo ou coloquial em demasia. Do mesmo modo, apesar de ter como plano de fundo um evento histórico, mesmo as discussões mais sérias não apresentam um tom maçante ou cansativo. Em suma, no bom sentido, não é um livro difícil de ler e isto conta como um ponto positivo. Em alguns momentos, nas partes de romance, por assim dizer, as falas dos personagens e mesmo a narração acabam assumindo um tom um pouquinho açucarado, mas nada que destoe tanto a ponto de estragar a experiência final. 

Em relação ao enredo, os fatos são todos bem encadeados, embora completamente previsíveis. A maioria dos acontecimentos não é surpreendente, já que a narrativa caminha e dá pistas praquilo o tempo todo. Basicamente, é uma história com muitas reviravoltas, mas poucos plot twist. Entretanto, ao terminar o livro o leitor acaba tendo a sensação de que importa mais como os fatos acontecem do que quais fatos acontecem. Talvez, até mais do que isso, o que importa ao final da narrativa é no que resultam os acontecimentos do enredo, não os acontecimentos em si, já que não é difícil o leitor prever exatamente o que vai ocorrer. Desta maneira, apesar de em vários momentos o leitor conseguir adivinhar o que vai acontecer, o livro ainda se mantém interessante.

Em relação à construção da narrativa, um dos pontos mais bacanas são as cenas de discussão política. A capacidade argumentação dos personagens é um ponto forte, que mantém o leitor entretido e te fazer querer saber como um personagem replicará o outro. Além disso, toda a história é costurada por um argumento maior: a Revolução está perdendo o sentido e passando dos limites e pode acabar levando ela mesma a ruína.

Olhando como um todo, está presente no um livro uma crítica aos excessos da Revolução e da nova República. Os pensamentos e opiniões expressos pelos personagens principais e os próprios eventos nos quais eles se envolvem constroem essa crítica e visão. As audiências são apenas um ritual de praxe, pois o réu já é tido como condenado desde o início; os advogados argumentam com o júri e os participantes da assembleia não com o intuito de apresentar provas, mas claramente tentando convencer e manipular a opinião pública; e os novos poderosos podem não estar dentro de castelos, mas não agem de forma menos autoritária do que um déspota monárquico, ao mesmo tempo que a população pobre continua morrendo de fome nas ruas, enquanto a classe burguesa disputa poder.

Entretanto, não apenas dentro das salas de Paris se passa a história, há capítulos em meio a batalhas e acampamentos de soldados e é muito interessante a maneira que essas cenas são construídas. Não soa artificial e, talvez, isso se deva ao fato de Owen Pataki ter servido como primeiro tenente no Exército dos Estados Unidos.  Inclusive, a marca do exército francês pelo Egito sob o comando de Napoleão é responsável por alguns dos momentos mais emocionantes e interessantes de toda a narrativa.

Tornando a falar da construção do enredo, outro ponto positivo é como nele se entrelaçam fatos ficcionais e momentos históricos, de forma que, ao mesmo tempo que os acontecimentos são fictícios, a base histórica acaba por torná-los verossímeis, embora, obviamente, hajam liberdades poéticas. Além disso, a presença de Sophie e Marie na narrativa colocam uma presença feminina relevante na história. Ambas personagens não parecem fazer, num primeiro momento, nada de muito grandioso, mas são as ações mais comuns e corriqueiras que as tornam personagens interessantes. Elas têm personalidade, não sendo apenas um plano de fundo ou o retrato de apenas uma doce esposa.

Voltando novamente a falar da construção do enredo, existem dois acontecimentos que não são tão previsíveis e um deles é bem final, de forma que quebra o ritmo de previsão do leitor. Enquanto lê, você se acostuma a saber o que vai acontecer, mas bem para o final acontece algo que você não espera. Mesmo que assim que o personagem coloque o pé no ambiente, fique claro o que ocorreu, não é como se você, necessariamente, soubesse que aquilo ia acontecer. Tanto, que você nem consegue entender muito bem o porquê de algo assim estar ocorrendo logo no final.

Resumindo, “Onde a luz cai” é um livro bacana. Apesar de ter algumas falhas, como o tom às vezes deveras açucarado em algumas cenas e ser bem previsível em vários momentos, o enredo em si e o carisma de alguns personagens conseguem manter o leitor interessado na narrativa. Além disso, há um argumento percorrendo o enredo, há um discurso presente nele, desde o começo, o que faz com que você queira ler até o fim para ver se esse argumento será mantido ou mudado. No final de tudo, importa mais a quais consequências levam os acontecimentos do que quais são os acontecimentos em si e se o leitor já esperava ou não por eles.

Em suma, para quem tem interesse em romances históricos e livros que têm como plano de fundo algum evento marcante do passado, “Onde a luz cai” pode a vir a ser uma boa pedida e uma boa experiência de leitura.

                                    “Era um crime questionar, pelo menos agora.
O Comitê decidiu que qualquer questionamento das
ações tomadas pelo governo revolucionário
era insurreição punível com a morte”

  




O futuro cyberpunk de Gibson - A trilogia do Sprawl (resenha)

Arte de Nathan Anderson


    “O céu sobre o porto tinha cor de televisão num canal fora do ar”. Esta é a frase que William Gibson utiliza para dar o pontapé inicial em Neuromancer, primeiro livro de sua trilogia. Conhecidos como Trilogia do Sprawl, os livros de Gibson são pertencentes ao gênero cyberpunk, um dos subgêneros da ficção científica, sendo romances formadores do gênero como um todo. Neuromancer e suas sequências, Count Zero e Mona Lisa Overdrive, todos publicados nos anos oitenta, introduziram conceitos novos para a época, como inteligências artificiais avançadas e um ciberespaço quase “físico”, conceitos estes mais tarde explorados nas obras Ghost in the Shell e Matrix.

        O gênero cyberpunk é conhecido por ter como seu enfoque o contraste entre alta tecnologia e uma baixa qualidade de vida, misturando ciência avançada — tecnologias de informação e cibernética, por exemplo — com algum grau de desintegração ou mudança radical na ordem social. O indivíduo cyberpunk é um “pichador virtual” que usa seu conhecimento para realizar protestos contra o sistema vigente das grandes corporações; através de um vandalismo depreciativo, infringe prejuízos a essas corporações, embora não recebam nenhum ganho pessoal com tais atos.

      O mundo retratado no universo cyberpunk é sinistro e sombrio, as empresas multinacionais substituíram o Estado como centros de poder e computadores dominam todos os menores aspectos da vida humana cotidiana. Neste cenário, ocorrem os conflitos entre hackers, inteligências artificiais e megacorporações, revelando as entranhas da corporocracia.

       É nessa ambientação que as tramas da Trilogia do Sprawl se desenvolvem. O primeiro livro, Neuromancer, conta a história de Case um ex-cowboy (como são chamados os hackers na trilogia) que foi impossibilitado de exercer sua profissão após tentar roubar um de seus contratantes. Ao descobrirem a tentativa de Case, seus contratantes o envenenam com uma microtoxina, danificando seu sistema neural e tornando-o incapaz de se conectar à matrix. 

      Case, então, procura as clínicas clandestinas de Chiba City e gasta todo seu dinheiro em exames, sem conseguir encontrar uma cura. No início da narrativa, Case é, portanto, um drogado, sem dinheiro e desempregado, residente de um hotel-caixão de Chiba City. É nesta situação que ele se encontra com Molly, uma espécie de samurai das ruas, que diz haver uma forma de resolver o problema de Case com a microtoxina. Molly foi recrutada por Armitage, um homem envolto em mistério, responsável por financiar a operação que devolve a habilidade perdida de Case. Agora, Case e Molly devem realizar uma missão para Armitage, empreitada que se revela sendo muito maior e mais complexa do que poderiam esperar.

     Neuromancer é, assim como seus companheiros de trilogia, um romance em camadas. Ao longo de seu desenrolar, várias informações vão sendo descobertas e novas questões vão sendo adicionais à equação inicial, tornando tudo muito maior do que parece em um primeiro olhar. O livro é dividido em cinco partes, compostas de capítulos, na maioria das vezes curtos, apresentados através de cenas também, na maioria das vezes, de curta duração. O romance se apresenta, então, quase que como uma espécie de quebra-cabeças ou quase uma colagem, onde um pedaço se conecta a outro para criar algo maior ao fim de tudo.

     O livro também equilibra cenas mais “calmas”, com um tom quase cotidiano, com momentos de ação protagonizados tanto por Molly em suas operações no mundo normal quanto por Case em suas incursões à matrix. Além disso, todo o mistério que ronda Armitage e a própria missão que precisam desempenhar servem para incutir no leitor uma vontade muito grande de entender melhor todo aquele universo e descobrir, afinal, o que está por trás de tudo.

Arte da adaptação cinematográfica
de Neuromancer abandonada
    O carisma da dupla Case e Molly também é responsável pela constituição da obra em si. O protagonista é um dos mais simples personagens de toda a trilogia, um cara bem ordinário, por assim dizer; tão imerso na matrix, Case a vê até em seus sonhos, mesmo quando havia perdido sua habilidade de se conectar ao ciberespaço. Quando enfim é curado, se vê arrastado para dentro de algo muito maior do que ele mesmo. Neuromancer é o único livro da trilogia a possuir um único foco narrativo que acompanha Case o tempo todo. É muito interessante ver a descrição das coisas através desse homem ordinário, principalmente a forma como ele descreve as ruas de Chiba pelas quais se esgueira: dá a imagem de um local muito sujo e até mesmo decadente, porém com várias luzes de led para te lembrar que o futuro está bem ali diante dos seus olhos.

     Molly, por sua vez, com suas lentes no lugar dos olhos, é uma mulher muito forte. Ela seria um pouco arisca, mas é muito imponente e decidida, além de muito esperta e poderosa. É uma personagem muito forte, muito instigante. Juntos, ela e Case são a dupla perfeita: ele faz o trabalho dentro da matrix, ela deixa o caminho limpo no mundo normal.

     O livro é ainda composto de momentos muito emocionantes e possuí alguns cliffhangers bem interessantes, como os existentes no final dos capítulos um, sete e nove. Embora a sequência de acontecimentos que preceda a conclusão do livro seja um tanto confusa, os momentos finais são muito emocionantes, deixando o leitor ávido para saber como toda aquela jornada termina. Graças a isso, e também por ser a história que inicia a trilogia e apresenta este universo, talvez Neuromancer seja o livro mais impactante dos três.

       Os acontecimentos da sequência, Count Zero, se dão sete após os eventos narrados em Neuromancer. Dessa vez, ao invés da história se dividir, primeiramente, em várias partes, ela está dividida apenas em capítulos; em compensação, Count Zero não possuí apenas um foco narrativo, mas sim três. Os capítulos se revezam em mostrar a perspectiva dos personagens Turner, Marly e Bob, que iniciam suas narrativas estando cada um em um lugar distinto. A princípio, o livro possuí uma ordem de apresentação dos capítulos: Turner → Marly → Bob, porém, a partir do capítulo nove tal ordem é deixada de lado e não é mais previsível saber sob qual perspectiva o próximo capítulo será contado. 

    Ter três focos narrativos distintos é uma ideia muito interessante, pois acentua a sensação de quebra-cabeça e deixa o leitor ansioso por descobrir quando, enfim, aquelas narrativas vão se encaixar e formar uma única história completa. Por outro lado, pode tornar algumas partes da história menos interessantes, caso um dos focos narrativos não seja tão atrativo ao leitor. No caso de Count Zero, os focos narrativos distintos acabam servindo para instigar mais o leitor a seguir firme na narrativa, ansioso pelo momento que todos os fatos narrados se unirão revelando a trama completa do livro.

    O foco narrativo de Turner começa apresentando sua ocupação e, ao final do primeiro capítulo, durante um período de calmaria, o personagem é recrutado para uma nova missão: a transferência de um renomado profissional de uma empresa para outra. O segundo capítulo do livro apresenta a perspectiva de Marly, uma garota que trabalhava numa galeria de arte, mas foi demitida após seu namorado envolve-la em um esquema de falsificação. Após ficar desempregada, Marly recebe uma proposta de trabalho de um homem rico o bastante para fazer frente à uma corporação. O desejo de seu contratante? Que ela descubra o artista que produziu uma misteriosa caixa.

    O último foco narrativo é aquele que segue Bob, um adolescente que vive no subúrbio e está se iniciando na arte de ser um cowboy do ciberespaço. Durante uma incursão a pedido de um contratante, Bob tem uma estranha visão na matrix, cujo sentido ele não compreende totalmente, mas sabe que não é algo tão simples.

    Dos três focos narrativos, o mais emocionante costuma ser o de Bob. Além do personagem ser super carismático, é nele que se recebe informações sobre a matrix e sobre as coisas que a habitam, coisas que apareceram misteriosamente e que antes não existiam. A forma como os três focos vão se ligando, fato a fato, até formar um enredo completo — além do desdobramento dos acontecimentos onde está Turner, envolvendo Angie, a filha do homem que ele devia transferir de uma empresa para outra, mostrando que na Trilogia do Sprawl nada nunca é apenas o que é demonstrado logo de primeira — é muito prazerosa de se acompanhar. Quando tudo, enfim, se liga e os momentos que precedem essa compreensão deixam o leitor ansioso, mas uma ansiedade boa, composta de uma ânsia de saber onde aquele rio irá desaguar.

       O terceiro e último livro da trilogia, Mona Lisa Overdrive, tem seus acontecimentos situados oito anos após os fatos ocorridos em Count Zero e quinze após os acontecimentos de Neuromancer. Dessa vez, Gibson não trabalha com três focos narrativos, mas sim pontos de vista de quatro personagens distintos: Kumiko, Slick Henry, Angie e Mona Lisa. 

     Kumiko é uma jovem japonesa, filha de um dos chefes da Yakuza, que é mandada para Londres a fim de permanecer em segurança enquanto seu pai resolve seus negócios. Em Londres ela conhece Molly, a samurai das ruas de Neuromancer, que agora atua sob o nome de Sally Shears para ocultar sua identidade de terceiros e que decide proteger Kumiko.

    Slick Henry, por sua vez, é um artista recluso que vive em um lugar chamado Fábrica. Ex-ladrão de carros condenado, Slick passa seus dias construindo grandes esculturas robóticas e seu cotidiano é perturbado quando um antigo conhecido aparece na Fábrica pedindo para que ele esconda um homem desacordado em uma maca e uma biomédica.

    Angie tornou-se uma estrela de Simstim após os acontecimentos de Count Zero. Ela inicia Mona Lisa Overdrive em Malibu após passar por uma cirurgia de desintoxicação de uma droga. Já Mona é uma prostitua adolescente possuidora uma considerável semelhança física com Angie, ela é contratada por indivíduos desconhecidos para um trabalho cujos detalhes também desconhece.

Ilustração de Josan Gonzalez
     Em Mona Lisa Overdrive, as histórias de Kumiko, Slick Henry e Mona se entrelaçam para formar o enredo da narrativa, amarrando os acontecimentos dos três livros e deixando, ao terminar, um grande gosto de “quero mais”. Dessa vez, se mostra mais importante reunir certos personagens em um mesmo lugar, ligando os personagens em si, do que os acontecimentos de fato. Assim como em Count Zero, os focos narrativos seguem uma ordem até o capítulo nove e partir daí não se sabe mais qual parte da história será apresentada. Entretanto, o grosso do enredo já é compreensível mais ou menos na metade do livro, sendo necessário unir aqueles personagens todos em um mesmo lugar para que as engrenagens possam rodar e concluir a história. 

    A segunda metade do livro, onde o leitor espera desesperadamente o encontro dos personagens que precisam ser colocados em um mesmo espaço, é muito instigante. Além disso, de todos os três livros, esse é o que possuí maior contribuição de personagens femininas, em número, todas muito mais fortes do que suas personalidades nos levariam a prever, com exceção de Molly, nossa já velha conhecida.

     Falando como um todo, a Trilogia do Sprawl é uma série muito gostosa de se acompanhar. Cada livro tem suas próprias peculiaridades, por vezes parecendo não possuir tantas ligações, mas juntos eles formam uma única narrativa onde os fatos e acontecimentos se encaixam. No que diz respeito à compreensão, a escrita em si não é complicada, mas o autor verdadeiramente joga no leitor vários conceitos não introduzidos, principalmente em Neuromancer, e cabe a ele “se virar” para compreender como aquilo funciona e se aplica na narrativa.

     Apesar desses momentos em que você tem de parar para tentar entender algum conceito, a narrativa é cheia de cenas de tirar o fôlego transcorridas num universo fascinante. No fim de tudo, têm-se a sensação de que valeu a pena acompanhar toda a jornada e após ler a última frase de Mona Lisa Overdrive só se é possível desejar por mais.


“No futuro, existe a matrix. Uma espécie de alucinação coletiva digital, na qual a humanidade se conecta para, virtualmente, saber de tudo sobre tudo. ”