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Resenha: Declínio de um homem

“Chegava a pensar que sobre mim havia recaído um fardo de dez desgraças e que, se apenas uma delas fosse repassada ao meu vizinho, seria suficiente para mata-lo. ”

     A depressão pode parecer, e talvez seja, o mal do século atual; entretanto, o que pode ser caracterizado como “depressão” não é um fenômeno que apareceu magicamente com o surgimento do século XXI, ela já existe faz muito tempo. “Declínio de um homem”, de Osamu Dazai, é um livro onde o que hoje chamamos “depressão” se faz presente. O protagonista e narrador Yozo conta sua vida em forma de diário. Ao invés de ser dividido em capítulos, o livro é dividido em três cadernos. A obra sintetiza em passagens e cenas, por muitas vezes biográficas, as angústias do próprio Dazai, autor que se suicidou aos 38 anos de idade. 

   A narrativa do livro é notoriamente direta. Escrito em primeira pessoa, o narrador diz muito com poucas palavras. Yozo é um jovem estudante provinciano que tenta sobreviver em Tóquio e conta suas dificuldades para conviver com as demais pessoas e se encaixar, não só em Tóquio como em qualquer lugar. Logo no início do livro, Yozo conta sobre sua infância um tanto traumática e sobre como ele sempre se sentiu deslocado. O personagem é envolto em uma tristeza que se alastra por todo o seu ser impedindo-o de encontrar uma alegria de viver que, na realidade, ele nunca sentiu.

   Ainda no primeiro caderno, antes que a narrativa se torne um pouco mais definida e linear, Yozo afirma algo muito interessante: apesar de ser uma pessoa que nunca está feliz e que sente como se tenham sido despejadas sobre ele várias desgraças, Yozo admite ser incapaz de compreender a natureza ou a intensidade do sofrimento alheio, ainda que esse sofrimento seja algo como passar fome.

   Outro traço da personalidade do personagem é a maneira como ele se apresenta para os outros. Para disfarçar seus medos, insegurança e seus pavores internos, Yozo veste a capa de piadista. Ele se ocupa de fazer palhaçadas, dos mais variados tipos, para causar risos aos outros, mas caso alguém perceba que tudo é proposital, a situação acaba por traumatizar ainda mais o personagem. Yozo diz ter medo das outras pessoas e, mesmo despertando o interesse de várias mulheres, admite não ser capaz de amá-las; sobrevive fazendo histórias e ilustrações de qualidade duvidosa.

   “Declínio de um homem” é um livro de extensão curta, entretanto em seu reduzido número de páginas sobram emoções e pensamentos. A mente atormentada de Yozo, seu vício na bebida, suas várias recaídas.... Tudo é entregue ao leitor que se vê incapaz de não pensar sobre o conteúdo da obra. A leitura é rápida e o que acontece com Yozo é ambientado no século passado, mas poderia estar acontecendo hoje.

    O final do livro é a parte de maior apelo emocional da obra, não no sentido de que a cena se projete como um drama, mas no sentido de conseguir tocar, de fato, o leitor. Se você chegou, milagrosamente, até ali sem pensar, refletir ou se abater com nenhum dos acontecimentos, nas páginas finais você será tocado.

    Além da linguagem direta, sem muitos floreios exagerados, a narrativa é capaz de envolver completamente o leitor seja através do próprio protagonista, seja através dos demais personagens com quem Yozo se encontra ao longo de sua vida. Pode-se dizer que é um livro “carismático”, por falta de palavra melhor. “Declínio de um homem” é um daqueles livros que você lê em um único fim de tarde e que te proporciona passagens nas quais você vai pensar por dias a fio.

“O Yo-chan que conhecíamos era uma pessoa muito sincera, prestativa, se ao menos não bebesse... aliás, mesmo quando bebia... o menino era um anjo. ”

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