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Resenha: E Depois

“Até então, ele se considerava um perfeito cavalheiro, cauteloso e pacífico, que detestava atitudes extremadas, incapaz de se expor ao perigo e que odiava desafios. 
E, a despeito de nunca ter praticado um ato covarde, sua consciência não o deixava negar que ele era, de fato, ignavo. ”

   E Depois (Sorekara, no título original em japonês) é considerado o primeiro romance psicológico de Natsume Souseki, estilo que marcará seus últimos trabalhos, onde há destaque para a construção da interioridade dos personagens. O universo do romance gira em torno do protagonista, Daisuke Nagai e a visão que tem de mundo. Daisuke é um jovem de 30 anos que não trabalha e nem vê razão para isso. É sustento pelo pai, que não se incomoda com a ociosidade do filho, já que dinheiro não é problema. Entretanto, o pai exige que Nagai se case por uma questão de valores sociais e interesses para negócios. Essa situação é uma ofensa para o filho, contestador dos valores morais vigentes e que busca afirmar a importância do individualismo. 

    Daisuke é um personagem sensível, inteligente, frequentador das altas rodas, vaidoso, apreciador das artes e das gueixas. Tem uma visão crítica de tudo que o cerca, mas está longe de ser um rebelde padrão, muito menos sem causa. São muitas as causas do protagonista, como revelam suas digressões ao longo do livro.

    Historicamente falando, o romance reflete as transformações provocadas pela restauração imperial Meiji, iniciada em 1867. Durante este período, o Japão era um país periférico que buscava igualar-se às grandes potências. Aos olhos de Daisuke, tal desejo resulta em uma nação preocupada em esconder suas mazelas, ainda que sob uma inclinação de abertura para o ocidente. 

      Daisuke carrega um incômodo numa vida repleta de facilidades, uma vivacidade colocada em dúvida por sua hipocondria. O protagonista trava seus embates muito mais com sua interioridade do que com o mundo. Suas contestações poderiam até passar desapercebidas, se não fosse o fato de ele recusar todas suas pretendentes. O protagonista segue enrolando a família, dando sempre uma desculpa diferente para não se casar, até que uma situação o coloca contra a parede: Daisuke se apaixona pela esposa de seu melhor amigo. Entretanto, em E Depois o amor não é motivo para sentimentalismos, mas combustível para um homem decidido a romper padrões.

    Olhando com olhos modernos e ocidentais, é difícil lidar com algumas questões do Daisuke, como, por exemplo, o total ócio no qual o protagonista vive. Durante grande parte de sua vida, ser totalmente dependente do pai não o atrapalhava em nada, entretanto, no que diz respeito à Michiyo, mulher pela qual se apaixona, talvez as coisas fossem mais facilmente resolvíveis para ele caso pudesse sustenta-se sozinho. Entretanto, observando as situações que Daisuke enfrenta através da ótica do protagonista, ele não está de todo incorreto; na verdade, suas convicções e motivos para viver da forma que vive fazem bastante sentido.

       E Depois é o segundo livro da trilogia de Natsume Souseki, na qual os protagonistas e as histórias não são os mesmos, mas as temáticas relacionam-se entre si. Se comparado ao primeiro volume, Sanshiro, E Depois é um romance mais denso, o que o torna um pouco menos palatável. A obra também possuí um final absurdamente impactante que parece até mesmo destoar levemente do clima geral do livro, tornando a experiência de leitura ainda melhor. 

    Por ser uma obra mais densa os momentos humorísticos se tornam mais escassos e os toques de leveza do romance acabam por ficar nas mãos de Umeko, cunhada de Daisuke, e Kadono um estudante que mora com o protagonista. Já, no que diz respeito à relação de Daisuke com Michiyo as coisas não ficam apenas no plano do sentimentalismo, mas se desdobram em atitudes e decisões difíceis de serem tomadas. Outras relações interessantes de serem observadas são as de Daisuke e seu pai, em que há claramente um confronto de valores e modos de ver o mundo, e Michiyo e seu esposo, Hiraoka.

    E Depois é mais provocação do que conclusão, desde seu título que sugere uma reflexão sobre o presente, até todo o desenvolvimento da obra. Um romance onde o leitor mergulha na mente de um herói às avessas que o fará pensar e tentar compreender sua forma de viver e enxergar o mundo.


“O noren da tabacaria era vermelho. A faixa de liquidação também era vermelha. 
Os postes de eletricidade eram vermelhos. 
As placas pintadas de vermelho continuavam a surgir uma após a outra. 
Por fim, o mundo todo se tingiu de vermelho. 
E, tendo a mente de Daisuke no centro, o mundo girava ao redor expelindo labaredas. ”

2 comentários:

  1. Oi, Andreza! Antes de tudo, amei a resenha, e amei conhecer mais um autor oriental. Eu amo a cultura japonesa e esse livro me fascinou bastante, vou buscar mais sobre o primeiro livro da trilogia (eu tenho TOC e preciso começar pelo primeiro livro, por mais que as histórias não sejam sequências).

    Quero aproveitar e te convidar para um desafio literário que estou fazendo. A ideia é fazer com que mais livros sejam lidos ao longo do ano e que a gente saia da nossa zona de conforto literária. Se tiver curiosidade depois dá uma olhada lá no blog :)

    E amei seu cantinho, vou vir aqui visitar mais vezes.
    Beijos,
    Um Metro e Meio de Livros

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    1. Oi, Bárbara, fico feliz que tenha gostado do texto que escrevi tão humildemente. Eu gosto bastante de literatura japonesa, embora eu não tenha lido tantos autores quanto gostaria.

      Vou dar uma olhada no seu blog sim.

      Mais uma vez obrigada por comentar, abraço.

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